Wednesday, November 26, 2008

A África prometida: Tombwa (Namibe)















22, 23, 24 e 25 de Novembro

Finalmente, um fim-de-semana passado fora de casa! A África prometida. Anteontem, Sábado, partimos em direcção ao Namibe.
Ao fim de uma hora e trinta minutos, chegamos. A viagem do Lubango para o Namibe implica passar na serra da Leba e fazer as torneadas estradas cuja foto mostrei aqui no blog, há algumas semanas. Depois da serra da Leba, podemos contar com grandes e longas rectas de estrada de boa qualidade, que no entanto, devem ser atravessadas durante o dia, pois não existe iluminação, o que poderá trazer graves problemas, principalmente devido a animais que por vezes atravessam a estrada (não há rails) ou camiões em apuros (pois não há guias ou espaço de paragem em paralelo à via, que só tem uma faixa).
Durante a noite, após petiscos, fomos caminhar pela beira-mar, na marginal do Namibe. Que praia terá sido no passado! As palmeiras, o calçadão e algumas construções do tempo colonial indiciam que se trataria de um pequeno paraíso. Casas de banho publicas na praia, bancos para relaxar em frente ao mar, adereços encurvados de cimento colorido ao longo do calçadão, etc.
A caminhada a pé até ao porto marítimo serviu para conversas nostálgicas e para perceber a riqueza das histórias de vida de muitas pessoas que nasceram nos PALOP’s e que depois viveram e trabalharam em Portugal, tendo mais tarde regressado, no caso, a Angola. Pessoas que viveram numa época conturbada mas rica, cheia de ideias e ideiais, políticos e cívicos.
Depois de uma noite de sono curto, às 07h00 e pico da manhã o grupo preparava-se para partir. Após o café da praxe, navegamos em direcção à zona (e vila, provavelmente) e Tombwa.
De caminho, paramos apenas para fotografar as Velvichias, plantas única no mundo (ver foto). Conseguem sobreviver neste pequeno deserto…

Tombwa é um local relativamente pequeno, essencialmente caracterizado pela grande quantidade de indústria piscatória que existiu (pelo forte cheiro a peixa, talvez exista ainda algo, mas muito pouco). A população tomou as instalações das indústrias abandonadas para suas casas e, ao que parecem, vivem e sobrevivem à custa do peixe.
Numa tentativa de ir visitar um braço de areia (pequena restinga do Tombwa), acabamos por enterrar a carrinha e ter de esvaziar os pneus um pouco de forma a poder sair (truque que desconhecia, claro!).

As crianças tentam apanhar boleia da carrinha (ver Foto), cercam-nos, sorridentes pela (provavelmente) grande atracção do dia…estrangeiros atolados! Havia comprado um pacote de bolachas para entreter durante a viagem e, ao ver em particular um criança de 5 ou 6 anos com outra às costas (do mesmo jeito maternal que as mães carregam aqui os filhos, usando um pano [provavelmente a Samakaka, pano com estampado típico da Huíla] que atravessa o corpo debaixo do peito e faz com que a criança vá sentada encostada às costas da mãe), decidi que ia dar as bolachas…
Alguém perguntou:
- Então, de quem é esse bebé que trazes? Não és pequenina para carregar um bebé sozinha nas costas? – a criança, abanou as missangas do cabelo, afirmando que não – Então, é teu irmãozinho? - Sim, respondeu, com o dedo na boca.Perguntei ao grupo de 8 talvez nove crianças, -Quereis Bolachas?, -Sim, responderam em grupo de imediato. Comecei a distribuir bolachas, enquanto as contava e todas as crianças começaram a contar comigo, numa só voz: -Uma, duas, três…Muito bem, pensei e disse, pensei também que se tratava de um momento educativo que um psicólogo não pode desperdiçar! Contamos todos até dez e depois o grupo começou a engasgar…Ocasionalmente um ou outro lá sabia o doze e o treze, e entretanto, lá para o 15, acabaram as bolachas. Ainda deu uma segunda rodada para alguns, outros tentara enganar-me dizendo que ainda não tinham bolacha, - E estas migalhas na tua mão são de quê? - disse eu, com jeito malandro e elas faziam um sorrisinho encabulado e continuavam a estender a mão…
Partimos para conhecer mais detalhes. A cidade esteve semi-vazia até que de repente, talvez por volta das 11h todos começaram a aparecer na rua, uns com as cadeiras às costas (para ir para algum sitio onde não havia cadeiras, aliás, pratica comum nas escolas por aqui, pois as crianças levam as suas cadeiras!), outros muito bem vestidos, de vestidos e fatos, com folhos e cores berrantes, uns em grupo outros sozinhos, todos a dirigirem-se para algum lado, porém todos em diferentes direcções.
Era Domingo. Era dia de missa. Numa cidade tão pequena existem pelo menos 5 tipos de igrejas diferentes: A Igreja Pentecostal e/ou Evangélica (não me recordo bem), a Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Católica, etc. Lembro-me de alguém no carro comentar algo que me ficou marcado mas cujas palavras não lembro. O conteúdo reportava a algo do género…”numa cidade de tal forma isolada e pobre, realmente só a busca espiritual os pode ajudar ”
Depois de reencher os pneus com alguma dificuldade numa bomba de gasolina (aliás diga-se, bomba de gasóleo, pois esta só vendia gasóleo e a outra, do outro lado da cidade, só vendia gasolina!), partimos determinados a encontrar um local “típico” para petiscar.
Na bomba observei este jogo de damas improvisado (Ver foto), o que me lembrou da primeira vez que aprendi a jogar damas com o meu avô. Como não tínhamos tabuleiro, o meu avô rapidamente resolveu o assunto: a mim, criança, talvez nos seus 10 anos, colocou-me a pintar os quadrados numa folha de cartão, enquanto ele, foi buscar umas rolhas que cortou com cuidado às fatias, tendo pintado numas uma cruz e noutras nada…e já tínhamos as pretas e as brancas!

Reparem que, em muitos outros sítios do mundo (nomeadamente Portugal), isto não acontece. Penso que já aconteceu. Hoje, talvez os gasolineiros ouçam o relato de futebol ou tenham TV, mas não jogam damas. E logo damas.
O local típico foi o “Bar Virei”. Um amontoado de história de Angola, com particular atenção para algumas tribos da Huíla. Mesas numeradas, bebidas e dinheiro (notas) de todo o mundo, máquinas fotográficas dos anos 60 ou 70, Velvichias secas, poemas esculpidos em pedaços de madeira, estatuetas diversas, quadros pintados a carvão com retratos tribais, cadeiras e bancos esculpidos à mão (cada um personalizado com o seu animal ou desenho tribal) e, só no fim, reparo na palavra PUB por cima do arco à entrada, o que me indicia influência britânica ou sul-africana.
Entre a parafernália, destaco esta foto e reflexão: “E afastou-se para o deserto em busca da verdade”.

Os petiscos foram: moelas, caranguejos e cherne grelhado. Por volta das duas horas da tarde saímos em busca da tão almejada praia, pelo menos por mim. O ar da maresia já me havia acalmado na caminhada da noite anterior e fez-me esquecer um pouco as saudades e as preocupações profissionais e relacionais, implícitas no arrancar de um projecto novo num país a 8 mil quilómetros do meu…
Mas eu, que me julgavam por vezes tão cosmopolita, ainda sou a poveirinha que nasceu ao pé do mar e desejava brutalmente sentir o meu corpo ser abraçado por um oceano. Um oceano qualquer, de preferência mais quente que o da minha terra.
Foi no caminho de volta que vimos o sinal “Flamingo Lodge, a 23km”. Ficamos a pensar se seria mesmo a 23 ou a 2,3 km, porém cedo percebemos que iríamos fazer os vinte e muitos, numa picada de nos fazer saltar do banco. Por entre velvichias e planaltos que pareciam saídos de um western, seguimos parcialmente por um leito de um rio seco.
Em vinte e cinco minutos conseguimos entrever, ao longe uma pequena cabana no alto de um planalto e rimos. Mas assim que chegamos, respiramos fundo. Um arco recebia-nos à entrada e subimos dezenas de escadas para encontrar uma cabana de madeira, perfeitamente equipada, com uma agradável cozinha à vista, toalhas estampadas, esplanada ao sol e no interior, um envidraçado cm vista para uma praia extensa e deserta. O bar do Flamingo Lodge parecia saído de uma série americana da Califórnia, Malibu ou Hawai, mas o areal deserto e amplo era a África prometida.
Depois de um café saboroso e de uma pequena conversa com a gerente sul-africana (em inglês um pouco enferrujado), fomos até à praia. Eram três da tarde, mas mesmo assim, barrei-me com protector. Tentei encontrar um diamante perdido entre as rochas, mas trouxe apenas pedras. Ainda não foi desta que encontrei o diamante. Finalmente, consegui entrar na água depois daquele impacto e receio inicial. Era morna. O mar estava revolto, eu não entrava num oceano há pelo menos 3 meses, e estava a entrar pela primeira vez em águas africanas daí os receios. Deixei-me envolver nas ondas. Sentia finalmente as narinas a serem hidratadas (depois de muita secura nas primeiras semanas no Lubango), o sal a escorregar pela boca, os músculos dos ombros a descaírem em direcção ao chão. Era como se estivesse em casa. Com melhoria substancial da temperatura.

Enquanto voltávamos o romance que a minha cabeça tem vindo a escrever continuava. Já há semanas que anseio voltar à escrita, mas parece que a vida e o universo não o querem de alguma forma. Deixei então, que pelo menos na minha cabeça, esse romance se fosse escrevendo, entre as paisagens e escarpas imensas, o ser catapultada dentro do carro, o vento a levar o cabelo para toda a parte (foi um feliz dia sem ar condicionado!), o pó da areia fina e do salitre por toda a cabine.


Já na Tundavala foi possível ficar sem palavras, respirar profundamente e sentir um vazio que dava vontade de morrer. Como se nesta vida, não fosse possível sentirmo-nos assim de novo e como se não valesse a pena correr para viver, ou viver a correr. Mas foi nestas montanhas, entre o Tombwa e o Namibe, em que perdemos noção da distância a que estamos das montanhas pastel, em que os olhos parecem iludir-nos que as palavras começaram a jorrar para o meu romance. Passado uns minutos pensei na tese por terminar e acabou o transe em que estava, talvez o nirvana…


Aqui seguem as restantes fotos...
Beijos e muitos abraços a todos!

Sunday, November 09, 2008

O Saiote

É domingo e chove aqui, no Lubango. Está frio e nublado. Só temos uma solução: trabalhar. Sem qualquer entretenimento, resta conversar com os colegas e agarrarmo-nos aos portáteis...

Uma ultima short-story, também escrita em Lisboa, em 2005.

O saiote

Aos cinco anos gostava de ver a minha avó arranjar-se. Puxava bruscamente pelas roupas até se encaixarem nas suas formas redondas que herdei. Havia duas peças que me fascinavam: A “combinação” e o “saiote” - com passar dos anos e modas deixou de se usar a primeira. Minha mãe era demasiado magra e a roupa deslizava pelo corpo acima ou abaixo sem roçadura, daí que gostasse mais de observar a minha avó.
O encantamento do saiote ficou guardado mas presente ao destes anos, pois trabalhando em prêt-à-porter, esta era uma peça que vendia bem, principalmente para senhoras de 6 ou 7 décadas. Infelizmente nunca usei um, mas fascinavam-me as mil rendas, as cores suaves e o nylon (que em catraia chamava seda) e a volúpia que me parecia implícita naquele acto tão feminino de vestir o saiote, “enfiá-lo”, como se dizia.
Com a faculdade, o casamento e a carreira fui esquecendo esse pormenor meu, esse fetiche, essa curiosidade.
Um dia, pediram-me que escrevesse um conto “romântico”, disseram, o “Romeu e Julieta” das short-stories e, logo, achei que era demasiado sintética e pragmática para sobrevoar esse ceús românticos, onde deambulam as almas gémeas. Tentei, mas nada. Se parecia sair algo era seco, desprovido de emoção, não eram mais que descrições de actos. Sentia a ligeira sensação de derrota no corpo cozido no vapor de Agosto. Numa janela de 2.º andar de Lisboa tentei captar a paisagem para cenário do conto. Todavia, a caneta emperrava após um par de frases. Foi então que, ao fim de décadas, pareceu-me ver o saiote de uma senhora a dar a dar e a deixar-se entrever pela racha da saia castanha escura.
Saí sem pensar. Entrei no metro e segui para o Chiado onde sabia que encontraria lojas do hoje chamado “comércio tradicional”. Não sei bem para que queria o saiote: uso pouquíssimas saias, muitas com forro e adoro calças. Os saiotes devem ter sido pensados para peças feitas na costureira que, sem forro, seriam por certo incómodas.
Finalmente, numa loja com cheiro a mofo e letras douradas, permaneço sob o olhar admiradíssimo de um vendedor na ternura dos quarenta. Deseja rosa-bebé, azul-bébé ou Branco? Porque não há branco bebé?, pensei, Sim, pode ser o branco, por favor. Ah, Tamanho M. Sentia-me emocionada como se, apesar dos meus quase trinta anos, só agora me sentisse verdadeiramente mulher. Tenho o 38, o 40 e o 42, menina...isso de L’s e M’s não é p’ros saiotes. O 38 serve. Vi-o tirar aquela maravilha de dentro da caixa comprida acinzentada com letras caligráficas; estendeu-mo no balcão de madeira –picada pelo bicho- e perguntou-me se queria experimentar. Olhei-o como se o visse com os olhos de 5 anos, a escalar o corpo curvado da mãe da minha mãe. Levo este, quanto é?, 7 euros. Vim contente como uma menina que cumpriu o recado que lhe foi pedido, sabendo que terá doces à espera.
Chegada a casa atirei tudo para a cama e tirei as calças. Ao espelho, repeti então o célebre gesto, empinando-me como uma avestruz. Relembrei as coxas à “moda antiga” –que agora as mulheres querem-se a direito – e compreendi a sensualidade do roliço cilíndrico. Vesti uma saia pela cabeça que deslizou pelo saiote e corri o fecho écler. Narcísica, olhei no fundo dos meus olhos e tirei a roupa para repetir o ritual. Em dez minutos tinha história de paixões, hotéis, traições e beijos ardentes.
Cada vez que “enfio” o saiote, a “seda” chama pela minha feminilidade, e esqueço as “derrotas” do dia-a-dia, as dietas, a celulite, as calorias, as olheiras e tudo o que nos faz sofrer neste século XXI e consigo, enfim, reviver a doce e franca sensação de ser mulher.

A curiosidade não matou a gata

Mais uma short-story, mais arrumações...

A curiosidade não matou a gata (Lisboa, 2005)

"Truz, truz, truz”, seguido de “Miau, miau, miau” foram as últimas palavras que ouvi naquela noite. A seguir, ouvi o ranger da porta e uns gemidos estranhos. Confesso que sou pessoa não muito curiosa, ou se calhar não era e com este episódio passei a ser, mas aquele bater na porta às 4h30 da manhã pareceu-me suspeito.
Talvez seja o meu instinto de detective estivesse adormecido e tivesse despertado agora, não sei bem porquê.
O gato, ou gata, da vizinha de cima – a Madalena – raramente miava e, ficou desde logo combinado nas reuniões do condomínio que só se podia ter animais que não fizessem barulho, pois as paredes tinham má insonorização e estavam lá basicamente para não nos vermos uns aos outros a fazer coisas íntimas.
Os vizinhos desde prédio não têm intimidades: Três andares e cinco apartamentos (o rés do chão é só um), todos sabem os nomes uns dos outros e algumas profissões, e encontramo-nos todos uma vez por mês – contra a vontade de todos – para as tais reuniões.
Naquela noite fiquei deveras intrigada com aquele bater à porta: Há dias em que não
queremos saber de nada do que está à nossa volta e há dias que subordinaríamos tudo e todos para saber uma estupidez que nos mói a tola.
Vesti um robe e sorrateira comecei a subir as escadas para o 2.º esquerdo - eu moro no 1.º esquerdo. Passado dois ou 3 degraus tentei pensar como um detective ou um investigador qualquer, Se alguém me apanha tenho de ter uma explicação para dar de imediato senão ficarei mal!, e assim, voltei para casa e sentei-me no sofá em busca da explicação fidedigna, Café, açúcar, sal, está fora de questão pois não é algo que se precise às quatro da manhã; Dizer que ouvi um barulho estranho, sim, é isso, pensei, demonstra preocupação, vou franzindo o olhar e dirigindo o ouvido para a porta e se desconfiar que alguém está a dirigir-se à porta toco logo à campainha e pergunto, Está tudo bem? Desculpe Madalena, mas fiquei preocupada, e pronto, parece ser uma boa frase.
De novo, manhosa, subi até à porta dela e ouvi os gemidos, cada vez mais estranhos, a gata miava também de vez em quando o que mostrava que algo não era normal. Estava já o meu dedo na campaínha quando ouvi a Madalena dizer Força Agora, Força!, e regelei. Desci escada a escada com consciência plena que estava a invadir seriamente a privacidade de alguém. Corri para o sofã, encolhi-me e aconcheguei-me no robe e tentei dormir. Como fui capaz?, pensava.
De manhã, o dia começou chuvoso e os gemidos já não existiam. Era Domingo e a curiosidade devorava-me, consumia-me por dentro como um vício. Controlei-me, ainda eram onze horas da manhã e talvez ninguém gostasse de ser incomodado tão cedo. Chegaram umas pessoas barulhentas a comentar coisas alegremente, entre risinhos, subiram até ao 2.º esquerdo e “Bling, blong”, “Onde estão eles, Madalena? Oh, que giros, meu deus, que lindos! Eu quero um!”. Onde estão eles? Quero um?, não percebia nada. Outras pessoas felizes chegaram, “Então, aqui há gatos...!?”
Tinha-me deixado levar por deduções erradas: A gata tinha dado à luz. Enrolei-me de novo no meu robe a ver a chuva e a tentar voltar à pessoa não curiosa que era dantes.

"Profissão, Gestor de Espaço Automóvel

Sem grandes entretenimentos, e com necessidade de consultar bastante material em CD que trouxe para Angola, encontro uma série de escritos não publicados.
Decido publicá-los agora, enquanto aguardo inspiração para novas escritas cá...

Um abraço...

Uma short-story (Lisboa, 2005)

"Profissão, Gestor de Espaço Automóvel


Baloiçava o braço e repetia alto, com voz rígida e segura, “Eu sou profissional, va’mo lá q’ isto é sempre a andar! Sempre!”, todos os dias que eu lá passava.
Felizmente, não tenho carro, não tenho vontade de ter e adoro a chance de viajar ao “centro da terra”, cada vez que entro no metro: aquela escuridão, a tristeza das caras, as paredes sujas da combustão das “naves”, a rapidez com que as pessoas entram para a “nave”, enfim, adorável rotina de um solicitador novato a reviver Júlio Verne.
Um dia desta semana, trouxe o carro da Marina – a minha mais-que-tudo– nem sei bem porquê e tive de passar pela febre da arrumação: o parque é caro, aqui é faixa amarela, ali é garagem, acolá é privativo, até que, vem o arrumador na minha direcção e, educadamente digo “Você é o arrumador daqui?” – má ideia. As pessoas constroem nas suas cabeças as generalizações que lhes convem e, neste caso, este arrumador correspondia ao meu estereótipo, mas não gostou da terminologia e, com um ar pouco afável e imperioso disparou “Sou Gestor do Espaço Automóvel”, realmente só lhe faltava um fato e pouco mais para Gestor, porque a atitude estava lá toda, “Desculpe”, disse eu, tentando ganhar a causa, “Precisava de um lugar e pensei...”, “Sabe como diz o provérbio?”, colocou um ar sarcástico,“A pensar morreu um burro”. Sou pessoa calma, demais até e agora compreendia os desacatos que ocorriam, ocasionalmente, entre os “Gestores do Espaço Automóvel” e os donos das viaturas, “Já fui Gestor de outras coisas, mas isso agora não interessa nada, como diz a outra” – até tinha receio de interromper a divagação; Disse-lhe com ar indagador “Ai é? E então como é que...?”, “Pois, já se sabe, a vida dá muitas voltas; Aqui, perde-se um pouco da dignidade, mas trabalha-se honestamente, sem jogos sujos e ganha-se mais do que nos edifícios bonitos, com elevador e escritórios modernos”, olhou para cima enquanto respirou bem fundo.
Tinha acordado num dia reflexivo, predisposto para uma experiência surreal e, por isso, fiquei cativo naquele olhar por três segundos – que na correria urbana é uma eternidade.
Apontou-me um lugar e estacionei, azelha como quem já não conduz há meses. Fez sinais e gritou instruções e depois abandonou-me para ir atender outro cliente.
Ao passar, vi que estava a corrigir uma senhora que o tinha chamado de arrumador. Dei-lhe uma moeda de um euro, disse obrigada e desejei bom trabalho, “Vê, um euro em – olha para o relógio– 3,7 minutos, significa cerca de–pausa de dois segundos– 16 euros à hora, 112 euros ao fim de 7 horas e pouco mais de –pausa de três segundos– cem contos por semana!”, fiquei à espera da conta mensal, de boca semi aberta e expressão suspensa, “Que foi homem?Já ‘tá! Adeusinho.”, “Errr...pensei que ia acabar a conta e dar o valor mensal!”, disparou uma gargalhada com pitada de sarcasmo e paternalismo, “Isto aqui é como nos States...”, franzi o sobrolho e fiquei mais um vez à espera da sua explicação, “Faz-se a conta à semana”." (Escrito em lisboa, 2005)

Thursday, November 06, 2008

Chouriço com morangos



Nesta escassez de NET em Angola, todos os momentos são preciosos...aproveito estes minutitos de net para colar alguns posts que tenho escrito em Word...Foram escritos em dias diferentes, mas isso agora não interessa nada! O que conta é mesmo a reflexão, né?!

Chouriço com morangos
A caminho de uma noite no Falcons Bar (Clube Motard) dizem-me
“quem vem ao Lubango tem de comer chouriço e morango”
Eu entendi chouriço com morangos, o que com certeza não seria mau de todo.
O chouriço era realmente bom, mas ainda não provei morangos que honrem a fama que Lubango tem…uma grande ironia para a ex-semi-vegetariana, que para já tem de comer aquilo que aparece e não aquilo que apetece…
Aqui, “tudo se come” dizem-me, depende, no entanto, das épocas. Nunca percebi grande coisa de cultivos, mas parece que os terrenos são um fenómeno para os meus ingénuos ouvidos. Quase qualquer coisa floresce e dá fruto, imensos animais se caçam e se comem e a quantidade de industrias e produtos fabricados noutros tempos é admirável.
Até agora provei alguns frutos daqui que nascem espontaneamente, os maboques, os luengos e as Nonchas.

De resto, tenho me empanturrado com feijão com óleo de palma.Penso mesmo estar viciada em oleo de palma...mesmo!

Hoje, dia 06 de Novembro, comi Peixe-burro, que estava uma delícia, temperado pela D.Martinha, a "governanta"! E aproveitei para saltear um feijão verde com algo, azeite, vinagre e farinha, numa farinheira à moda da minha futura sogra (Bjs para a Otília e Alfredo!)


A Seis de Novembro
Faz hoje 6 semanas que cheguei em Angola. A noção de tempo, como eu já tinha dito antes, é muito diferente. Talvez quando possuir a internet e a Tvcabo a minha construção da temporalidade mude, mas para já, tenho a sensação de que já estou cá há anos...
Saudades, daquelas radicais, não tenho muitas, são outros tempos, em que falo com família e amigos todas as semanas, mas fazem-me falta aquelas pequenas coisas, como um cafezinho com a mãe, uma noitada fora com os amigos de longa data, uma noite enrolada no sofá quando o vento e a chuva abanam as portadas e eu me enrolo na minha gata e ela ronrona encostada a mim (aqui fica uma foto da minha gata, agora que estou mais saudosista, dá-me para estas coisas! Esta é a Leia!)…


Faz-me falta um bom filme (Ou TV, é verdade há 1 mês e meio sem ver TV!), e uma chá verde bem quente com uma torradinha com manteiga, enquanto me agarro à minha manta favorita…
Cá em Lubango, a nossa casa é espectacular (vejam fotos em posts anteriores)! Quem me dera (e a muitos de vós) ter uma casa assim em Portugal, não? Ainda para mais temos uma governanta fantástica, a D. Martinha, que é a felicidade em pessoa, o sorriso constante, a disponibilidade total…a ironia é que agora, que podia não fazer nada, não consigo “mandar” e dá-me vontade de fazer coisas como lavar a louça, fazer chá, etc….

A Universidade
Quanto à Universidade, o trabalho tem sido duro para todos. Todos corremos contra o tempo para dar as matérias e fornecer textos de apoio, tentando adaptarmo-nos à cultura, à forma de ser académica de Angola (todos os países são ligeiramente diferentes na sua atitude académica, por opção ou por constrangimentos diversos) e ao cansaço dos estudantes, pois grande parte são trabalhadores estudantes.
Quando vim para cá, tinham-me dito que “Sá da Bandeira”, actual cidade de Lubango, tinha fama por ser a cidade do conhecimento e que, desde o tempo dos portugueses, que havia muita sede de informação – confirma-se. O Slogan da Cidade é mesmo “Cidade do Conhecimento”.
As pessoas trabalham, de dias e/ou à noite e frequentam as aulas à tarde ou à noite. Às vezes, se olharmos com atenção, vemos o cansaço num ou noutro olhar, mas não é ofensivo, como alguns professores pareciam pensar em Portugal (até de mim, que também fui algum tempo trabalhadora-estudante), é um grande elogio, a pessoa estar a fazer aquele esforço por estar ali! Por vezes um ou outro aluno, fecha os olhos, lentamente abrindo e fechando as pálpebras de cansaço. Tentamos dinamizar ao máximo as aulas, com trabalhos práticos, grupais ou individuais, mas parece soar-lhe estranhas estas práticas, todavia depois afirmam gostar muito.
Por outro lado, são pessoas com uma educação única: os estudantes do ensino superior não entravam na sala, enquanto eu (docente) não lhes desse sinal para entrar, quiseram colocar de imediato as regras “na mesa” acerca de atitudes diversas como telemóveis, bater à porta, intervalos, avaliação, etc.
Há pouco tempo decorreu o primeiro momento de avaliação (frequência) e todos pareciam altamente nervosos…

A ideia “europeia” de Angola
Existe uma ideia preconcebida de Angola, muito errada. Aqui há tudo. Pode ser caro, às vezes mais difícil de encontrar, mas há tudo. Há cafés, há restaurantes, há comida de todo o tipo, enfim…
Muitas estradas estão menos boas (o que implica andar de carrinhas todo-o-terreno) mas a estrada para o Kunene, por exemplo, parece ser uma estrada muito recente que todos dizem estar à altura de uma auto-estrada portuguesa (se calhar até melhor, porque já paguei muitas auto-estradas em Portugal, que depois tinham buracos e obras!)
Segundo alguns alunos meus também (depois de uma aula sobre preconceitos e estereótipos em Psicologia Social), existem muito mais ideias feitas sobre Angola como, por exemplo, que “é um país onde existem muitos conflitos”.
O povo quer é paz, isso é certo, e parece ser um povo pacífico. Penso que estão dispostos a tudo para não cair em guerra de novo. Raramente se ouve notícias de violência.
Agora que o mundo parece assistir a uma importante viragem (refiro-me a Obama nos US of A e a tudo o que isso/ele poderá implicar!!!), é realmente o momento de começar a erradicar muitos preconceitos em relação a muita coisa….

Sunday, October 26, 2008

Carta de Lubango




Lubango, 26 de Outubro de 2008



Caros familiares e amigos/as:

Faz para a próxima semana, na quarta-feira, cinco semanas que estamos cá, em Lubango, Angola.
Vamos então fazer-vos um retrato fiel de como estamos e do que temos feito, porque já está na hora!
As fotos que aqui ilustram o “relatório” estão comprimidas e logo, se aumentarem muito, perdem qualidade, mas penso que dá para ver muita coisa! Além disso, penso que todas as fotos têm data!
Aproveito para pedir que reencaminhem este doc a alguém que por acaso não recebeu ou cujo envio tenha falhado (peço desculpa!)…
Não nos esquecemos de vós, mas realmente a logística aqui em Angola é difícil e ainda não temos algumas coisas, e logo não podemos contactar-vos com a frequência que gostaríamos!

Como já puderam reparar ainda não temos internet, ou só temos de quando em vez, porque uma colega nossa angolana, a Prof. Ana Paula Santos (que dá a disciplina de TCE-Técnicas de Comunicação e Expressão), mas que viveu em Portugal durante 20 anos até ao ano passado tem internet (fornecedor:Movicel, que pertence ao “estado” angolano, quase como a nossa PT) e o Dr. Édio Martins ((ver foto ao lado e reparem que já todos temos t-shirts com o logotipo da Universidade!!!),), nosso coordenador do Projecto aqui, também tem (fornecedor: Unitel, que é privada).
Aproveitamos para vos apresentar o resto da equipa (podem querer” goglá-los”!No Google, claro!).
A Maria João Cabaço Moniz Barreto é também nossa colega professora, na área do Marketing, e o nosso outro colega Rashid Berrad é professor de direito, em parceria com o Hermínio.
De resto, vivemos numa moradia espectacular (já do tempo colonial), na morada: Residência da Universidade Gregório Semedo, Bairro Santo António, zona 5 (não adianta mandar correio, pois não existe distribuição postal); a casa tem piscina, estava danificada e a UGS recuperou e pintou tudo! Ainda não temos espelhos na casa de banho, e de vez em quando aparecem umas baratas e outros bichos estranhos…mas é normal. Aqui na sala, tem uma divisória com a última ceia de Jesus Cristo (depois vêm fotos), e tem uma varanda a toda a volta. Não precisamos de ar condicionado, apesar do calor, está-se bem aqui. (A foto ilustra a entrada da nossa casa e os colegas Maria João e Rashid sentados à entrada!)

Além disso, não temos água directamente da rede, como quase toda a gente, mandamos vir cá uns camiões cisterna e temos duas grandes cisternas com água. A água quente é obtida através do cilindro que está no exterior, e nunca falta água quente! Ate queima! Ocasionalmente falta a luz, a certas horas do dia e, por vezes, ficamos parados, porque estamos totalmente dependentes dos Portáteis!
Ainda não temos televisão (é verdade, há um mês que não vemos TV!), mas estamos a estudar hipóteses de fornecimento de tv por cabo ou satélite.
De resto, temos um motorista e uma carrinha só para nós – chama-se Vado, e o pai é português (ele é mulato, e é muito simpático e paciente!).

Fotos: Eu a subir a uma árvore na serra da Leba e o Hermínio conquistador também na serra da Leba!)
Quando podemos vamos tomar um café ao Huila Café (podem pesquisar na net, mas qui fica uma pequena foto ao lado!) e ocasionalmente vamos ao Art-Doce, outro café. O café custa sempre 100 kwanzas que é aproximadamente um euro!

Em termos de supermercado, vamos a 3 principais: o Marivel que é perto da universidade, o Luege que é perto da nossa casa e o Nosso Super que é estatal e muito barato, porém fica afastado da cidade.
Todos os dias a nossa empregada, a D. Martinha, nos traz pão fresco a caminho daqui. Ela entra às 08h da manha e sai às 4h, mas fica sempre mais um pouco. Limpa a casa toda, lava, seca e passa a nossa roupa, e faz comida. Cozinha muito bem!
Já comemos feijão manteiga com óleo de palma e calulu de peixe (que leva peixe fresco e peixe seco, que é parecido com bacalhau, mas eles aqui secam vários tipos de peixe, por exemplo, hoje comemos carapau seco).
Tenho conseguido ocasionalmente fazer algumas refeições vegetarianas, e a única vez que me senti um pouco mal com comida até foi quando o Hermínio cozinhou um fantástico arroz de frango e eu comi imenso! (Demais, claro!)
Ao fim-de-semana não temos a D. Martinha e então cada um de nós vai cozinhando para os outros!
Quanto a passeios (Ver fotos acima), quando pudermos mandamos fotos, e se o Dr. Édio Martins for a Portugal pedimos para ele levar um CD e colocar no correio para vocês. Os correios aqui não funcionam bem, está tudo muito “internetizado”!!!
Já fomos à serra da Leba e à Tundavala, a tal famosa fenda gigante. Ao lado podem ver que o Hermínio já conseguiu matar umas saudades da guitarra, pois no Falcons bar convidaram-no a tocar…ele ainda vai dar o grande arranque do Jazz e Funk por aqui!
Abaixo seguem duas fotos de paisagens…talvez não tenha o impacto que esperavam, mas prometo que tentarei tirar mais pôr-do-sol africanos quando tiver tempo!



Hoje mesmo fomos ao Namibe ver as instalações da faculdade lá e comemos um camarão frito que podem ver na foto abaixo! Estava óptimo!



Seguem mais algumas fotos do Namibe, onde o Hermínio irá começar a dar aulas na próxima semana (eu, para já, apenas darei aulas no pólo do Lubango). Uma mostra os mamoeiros que existem à porta da casa dos professores no Namibe e outra é uma foto da avenida na marginal, ao pé do mar.


Quanto à universidade, o arranque custou um pouco, mas já está tudo altamente funcional. Na secretaria temos 3 colegas, que também são todos nossos alunos: a D.Alice, a chefe de secretaria (que também esteve em Portugal durante 30 anos até ao ano passado num serviço público), o Brás e o Joel, que são administrativos.
Quanto às aulas, têm corrido bem (ver fotos de alunos, aulas e entrada da universidade e da nossa carrinha!). No início receámos pelo nosso sotaque e pelo dos alunos, temendo que não nos percebêssemos uns aos outros! Porém, com o tempo, as aulas tornaram-se divertidas e emocionantes, pois nunca vimos pessoas tão motivadas e até desesperadas para aprender! Ficam tristes quando falha a luz e não podemos dar mais aulas. O Hermínio até já continuou a dar aulas às escuras! Estamos a conceber umas sebentas-resumo das matérias, pois ainda não há biblioteca na universidade, e isso é que tem sido mais cansativo (o meu mestrado ficou em stand-by!).
Temos muitos alunos e alunas da Policia, militares, políticos, funcionários públicos, etc.!
Eu tenho apoiado também na parte pedagógica o Dr. Édio a ajudar a conceber os horários, esclarecer duvidas a alunos e professores, elaborar o calendário de exames e frequências, etc. A primeira frequência é já dia 01 de Novembro!
De resto, como já imaginavam, as coisas são realmente caras.
(ver foto de uma nota de 1000kwanza ao lado, o que são no fundo, cerca de 10 euros! Ah…aqui, não há moedas, ou melhor, há poucas e não circulam! Portanto há dias que tenho a carteira cheia de notas de 5, 10 kwanzas, o que representa na realidade 5 ou 10 cêntimos e nem dá para comprar um rebuçado!).
Um pacote de 500g de manteiga custa à volta de 5 euros (500 Kwanzas) e um pacote de leite custa 2 euros. As coca-colas e outros refrigerantes são muito baratos porque há cá uma fábrica desde os tempos coloniais. Cada coca-cola ou cerveja custa á volta de 50 cêntimos (ou seja aprox. 50 Kwanzas)!!! (1 euros são aproximadamente 103 kwanzas).
Outras Coisas baratas: o tabaco custa entre 50 cêntimos e um euro, o feijão e o arroz também são baratos, e a fuba (farinha de milho) , com que fazemos o pirão (ou funge), que acaba por ser uma espécie de puré também é muito barata!
Há quatro cervejas angolanas: a Cuca, a N’Gola, a Eka e a Nocal. Ainda só provamos as duas primeiras, e aqui no Lubango é que é fabricada a N’Gola, por isso é a que há mais e é muito boa!
As marcas de Café de cá também são muito boas, há o Ginga café, café “O pensador”, etc. Depois levamos para vocês provarem!
Algumas frutas que há por cá: o Mirangolo (que dá um doce para barrar o pão muito bom), a Amarula (que dá um licor espectacular), a papaia/Mamão (que temos à borla no nosso quintal), o abacate, a manga, o abacaxi (cá não há ananás!), etc.
Quanto à vida em Angola, como já sabiam, há muitas pessoas que não trabalham. O valor do trabalho aqui não é o mesmo para os europeus ainda. Podemos chamar desemprego ou não-emprego, mas o facto é que muitos não têm emprego, mas têm trabalhos, ou como nós dizemos têm “business”! Muitas pessoas que não têm emprego tem um Business, e algumas têm emprego e Business em paralelo! Não se vê fome, vemos e sentimos alguma pobreza material, mas eles e elas vendem de tudo na rua, coisas do campo, carregadores de telemóveis, fruta, legumes, galinhas, etc. Vamos dando de vez em quando uns pacotes de bolacha, pão, etc., mas as pessoas aqui parecem mais felizes.
Em termos de clima, não sei bem as temperaturas, mas há duas estações no ano: a época das chuvas de Outubro a Maio, e a época da seca, de Maio a Outubro. Já choveu bastante, blocos de gelo imensos durante 1 hora, e há vários dias que não chove. Mesmo quando chove apetece ir para a rua.
Quanto às nossas expectativas, acho que só quando recebermos o primeiro salário, começarmos a fazer mais contactos e a ter liberdade de movimentos é que podemos realmente avaliar a nossa situação.
O projecto parece estar consolidado aqui no Lubango, mas as aulas ainda não arrancaram no Namibe por dificuldades logísticas (ainda não temos 2 carrinhas e dois motoristas, pois o Namibe fica a 180 km daqui, no litoral).

Mesmo assim não sabemos como as coisas vão correr, porque parece que o Dr. Edio vai arrancar com outros projectos da Universidade e temos algum receio de como ficarão as hierarquias por aqui…

Eu tenho saudade de muitas coisas em Portugal, de tomar café com a minha mãe, com a Rosina e com o pessoal, dos jantares ou almoços em família, de adormecer no sofá enrolada na minha gata, da chuva e dos agasalhos, da Tv cabo, de passear pela beira rio de Fão, etc…Mas é bom saber que, mais tarde ou mais cedo, tudo isso estará aí à minha espera!

Está a ser uma experiência fantástica, com todas as dificuldades de um arranque inovador, mas muito gratificante…no entanto, por mim, continuo com Portugal no Coração…vamos lá ver se com o melhorar das coisas, com mais tempo de lazer, praias etc, Angola me convence mais!

Um grande abraço a Todos e até breve! O voo está marcado para dia 13 de Dezembro!

(PS.Lamento mas tive de anexar asw fotos todas seguidas...ao invés de intercaladas nos sitios certos dos textos!)












Saturday, September 27, 2008



Legenda: Eu, em casa, frente à piscina vazia! Lubango, Angola


Legenda: Nós, no cimo da Serra da Leba, Lubango, Angola



Legenda: Serra da Leba, Lubango, Angola

Uma Psicóloga em Angola

(Primeiro texto após chegada, dia 25/09/2008)

Sempre me disseram “Tu que és psicóloga, deves estar sempre a analisar tudo”, e eu respondia honestamente que não, que não era nada assim, que a nossa formação se fazia no sentido contrário: Primeiro aprender todos os “rótulos”, as categorias, os conceitos, as patologias e, depois, desconstruir tudo, e saber ver cada pessoa como um ser “único e irrepetível”, conseguindo desligar o radar.
Claro, prestes a ir para oito mil quilómetros de distância da nossa casinha, seja para que sentido da bússola for, inevitavelmente uma pessoa liga o radar.
Depois de oito horas de voo num Jumbo, o radar já sai meio avariado.
Chegando a Luanda, o ar quente e seco que nos entra nas narinas enferruja um pouco mais o radar! O corpo ressente-se, mas dentro de minutos, adapta-se, pelo menos para já.
Luanda é confusa para o radar europeu, um pouco obsessivo já com a organização e com uma noção muito clara e até restringida da temporalidade.
Os carros são imensos, as estradas apertadas, a pobreza económica é visível, mas também o são os carros de alta-roda. Não há muitas pressas em quase nada, excepto talvez na estrada. Todos querem chegar rápido a qualquer lado, ou talvez o que aconteça de facto é que todos querem deixar de estar na estrada rapidamente.
Assim, a psicóloga de vez em quando liga o radar para analisar algumas coisas.
Há alguns dias, no Huíla-Café, por debaixo do vidro da mesa surgia um flyer a publicitar uma discoteca, que terminava com o slogan “Venha passar uma noite agradável e feliz”. O um olhar deteve-se e o meu radar ligou-se. Esta frase não passaria em nenhum departamento de marketing português, nem qualquer empresário português a escreveria no seu flyer.
A palavra feliz e isto é comprovado empiricamente na rua pelos sorrisos.
Lembro-me de um autor da Psicologia ou talvez da psicofisiologia, Penso que se chamava Ekl (e agora não tenho net suficientemente rápida para pesquisar!), que estudou as expressões faciais de pessoas para chegar a uma teoria sobre a forma como lemos as expressões faciais uns dos outros no quotidiano. Isto e fulcral para a comunicação entre os seres humanos. Não ser capaz de ler as faces dos outros pode levar a conflitos graves.

O sorriso de Angola parece fazê-la funcionar. E não nos fará funcionar a todos?

Friday, September 05, 2008

Psicanálise dos três porquinhos


“Era uma vez ...” – começava a minha mãe a contar novamente a história dos três porquinhos.
Milhares de vezes lhe pedi, e milhares de vezes contou.
Era como se não conseguisse dormir em paz sem a sensação de certeza que uma casa de cimento é que nos protegia. Hoje que analiso, faz sentido.
Em todas as histórias havia lobos maus ou bruxas, fadas ou princesas, venenos ou feitiços. Mas nesta não havia nada disso.
Agora que me psicanaliso devidamente, gostava da história porque a solução era bastante fácil, acessível e concreta. Não era necessária uma chave mágica, uma reversão de feitiço ou determinada postura mental: a resposta era bastante básica. Tijolo em cima de tijolo, com cimento ou betão, não sei o que usavam na altura. No fundo, era uma obra da humanidade que salvava a humanidade (ou, este caso, os porcos).
Talvez devido à sua simplicidade eu gostasse da história.
Por outro lado, o lobo mau não queria um trono, um reinado ou conquistar o mundo: queria algo muito lógico, simples e básico: comida.
No entanto, hoje já nada faz muito sentido.
Inventamos casas cada vez mais sofisticadas, de cimento e betão armado, agora com alarmes e outros automatismos fabulosos.
Continuamos a fugir e a refugiarmo-nos nelas, em vez de enfrentar o lobo mau de uma vez.
Ou por outro lado, tornamo-nos no lobo mau porque comemos porcos sem a mínima piedade (se calhar por isso, sou vegetariana).
Não albergamos os nossos irmãos (porcos) quando eles precisam, quando as casas deles se mostraram demasiado fracas (veja-se todas as tragédias por todo o mundo e muitas vezes na nossa própria terra), agora, simplesmente viramos a cara não querendo ver os nossos irmãos porcos a serem trucidados por lobos maus.
Fechamo-nos então nos nossos palácios grandiosos e materialistas, hiper-protegidos de todos os lobos-maus exteriores, e começamos a fazer criação de lobos-maus interiores.
Porque o maior lobo mau que existe, existe em nós e chama-se medo.
(Voltemos ao básico, ao simples. Viver sem medo…porque o porco e o lobo eram animais e, pela ausência de córtex cerebral não podiam se compreender mutuamente e reconciliar-se. Nos podemos.)

Tuesday, August 19, 2008

As Samskara e a largura dos cintos

Recentemente, num passeio pelos saldos com a minha grande amiga, descobri uma Samskara muito básica.

Uma definição de Samskara que vos posso dar, tendo como base a definição constante no Dicionário do Hinduísmo é , samskaras são "As impressões deixadas no subconsciente da mente por experiências (desta ou de vidas anteriores), que colorem e condicionam toda a vida, sua natureza, respostas, estados mentais, etc."

Quando pensamos nisto, pensamos em coisas "grandes" da vida, como por exemplo, a forma como tomamos as nossas decisões, a forma como tratamos os outros ou reagimos ao que os outros dizem, etc.

Mas, descobri recentemente uma Samskara tão básica, que acho que ilustra muito bem como estas impressões ficam presas na nossa mente e nos condicionam.

Procurava um cinto.Um cinto para as calças. Procurava um cinto daquela determinada largura. A minha amiga perguntou "Porque queres essa largura?" E eu respondi, "É a largura que têm as azelhas das calças", e ala respondeu, "E então...este dá", mas eu não percebia. O cinto que ela me mostrava era muito mais fino do que as azelhas das calças. Aí consegui perceber que a minha Samskara me dizia que os cintos têm de ser exactamente da largura das azelhas...mas se são mais finos, porque não?

Acabei por comprar um cinto muito fino e colocá-lo nas calças. E ficou bem.

Esta estória pode assemelhar-se àquelas estórias Zen, e no fundo, acaba por ser isso mesmo. Precisava daquele insight (na expressão ocidental), ou de eliminar a minha Samskara, que me prendia àquela noção.

Conclusão, passei a usar os cintos que me quero e me apetece, sem olhar ao tamanho das azelhas.

Quando ouvimos aquelas pessoas (a que muitas vezes chamamos "casmurras")cismarem que sim porque sim, ou que não porque não, ou que sou assim e não há nada a fazer, sabemos que não estão prontos para mudar, pois têm medo de perder as suas Samskaras, que já lhes fornecem as respostas (automáticas)...e num mundo onde tudo se quer automático...até dá jeito.

Resta agora, tomarmos consciência de todas as Samskaras que possuímos que nos condicionam todos os dias, para que nos possamos libertar delas, e fazer uma escolha livre e consciente de cada coisa, atitude ou situação.

(P.S. Dedicada a Ti, amiga, que já estás livre de muitas Samskaras!)

Wednesday, August 13, 2008

Onde está a inspiração?

Todos os escritores precisam de inspiração. E encontram formas de a encontrar.
Porém, a inspiração que necessito agora vai além da escrita, é a inspiração da revisão...e essa não sei onde encontrá-la.
A tese de mestrado está um "patchwork" lindíssimo, mas mesmo o Patchwork precisa de harmonia e é dificil encontrá-la.
Mais uma vez não há soluções mágicas. Ainda espero por aquele momento de elevado insight, em que me vou sentar à frente deste computador e vou fazer tudo "de rompante", mas...e se esse momento (desta vez) não vem?

Friday, August 08, 2008

Hi5

Bem, lá aderi ao Hi5...

http://pattaraujo.hi5.com/

Eu

No meio das referidas arrumações, encontro uma foto minha com 5 anos?Talvez 6 anos?
Quando olhamos para nós próprios ao longo da vida, ganhamos nova auto-consciência. E pensar que tantos milhões de pessoas não puderam (e nao podem?) hoje fazer isso.

Fão

Nada a acrescentar.

Angola

Caro Blog:

Vou para Angola.

Estarei perto de ti, mas de certa forma longe, mental e espiritualmente muito longe. Porque tu, meu blog, és português.
Depois de alguns anos a aceitar aqui que as propostas me surgiam, finalmente tomei toda a coragem em mim para agarrar aquilo que realmente queria.
Penso que, durante alguns meses da minha vida, deixei de ser quem realmente era.
Perdi um pouco de mim, e no entanto, consegui me redescobrir novamente, desta vez com mais clareza e lucidez.

Descobri que o ser humano não pode ter sido concebido para estar numa secretaria oito horas por dia, ou pelo menos alguns seres humanos.
Consegui acabar com a ilusão do emprego perfeito, Nine-to-five (que já ninguém tem este horário), numa secretaria só para mim, com um computador só para mim e com fotos dos/as entes queridos/as em cima da mesa, ou agora, nos tempos modernos, no screen-saver ou no wall-paper.
O emprego em que sonhava fazer coisas fantásticas e ter ideias e defender quem precisa de ser defendido. O emprego onde uma equipa trabalha para melhorar a sociedade, o mundo ou uma pequena comunidade, que de alguma forma, precisa de apoio.
Em vez disso dei por mim numa teia enorme de burocracia, aprovações de tudo por um cadeia hierárquica, que defende a imagem da organização a todo o custo, em vez dos interesses dos/das tais que necessitam de apoio.
Dei por mim entre palavras como picar o ponto, cumprir os objectivos, preencher os formulários, recolher assinaturas, aprovar isto, remeter aquilo para aquele e para o outro, verificar se não se está a pisar terrenos de trabalho pantanosos, atender chamadas e reencaminhar processos.
O cúmulo da “administratividade”, se é que a expressão existe.
A coluna toda torta ao fim do dia, dores intensas nos olhos de estar perante o PC todo o dia – estas novas profissões trarão problemas gravíssimos no futuro, estou certa disso. O contacto humano limitado e o envio de emails para pessoas que estão a 3 ou 4 metros de nós tornou-se prática comum e aceite por todos.
De vez em quando, alguém pensava como eu e vinha falar pessoalmente comigo. Ao chegar a casa, esgotada mentalmente pela quantidade de solicitações e variabilidade das mesmas, só conseguia embrutecer em frente da TV antes de ir para a cama, e comprar cada vez mais pré-preparados congelados, prontos a tombar para micro-ondas.
Ler começou a ficar fora de questão. Começou a não haver tempo para hobbies, nem vontade de estar com outras pessoas socialmente. Durante o fim-de-semana conseguia ser eu própria durante talvez umas 30 horas, dar aulas de yoga, fazer umas sessões de psicologia, sentir que realmente estava a fazer algo útil, estar com alguns amigos e amigas e cozinhar uma jantarada de caril de soja.
Para outra pessoa, este emprego seria um sonho. Para mim, roubou-me a alegria e a personalidade.
O comodismo e o salário fixo ao fim do mês, bem como (a ilusão) de vínculo estável, estavam a entranhar-se e a ganhar terreno. Discursos como “até não é mau de todo, tem muitas benesses” começaram a aparecer, alternados com momentos de elevado nervosismo e actividades de elevada responsabilidade não recompensadas.
Ainda assim, reconheço que se trata de uma instituição quase perfeita em muitos sentidos para quem tem a vocação para a tal administratividade: um convívio por ano para colaboradores/as, condições especiais para colónias de ferias para filhos/as, horas-extra, sistema de “banco de horas” acumulado que se traduzia em dias de férias ao fim do ano, sistema de carreira altamente estruturado (equiparado à “antiga” função pública), com mais um dia de férias ao fim de 10 anos de trabalho, ao perfazer 40 anos e coisas assim, que não cheguei a explorar devidamente, pois arrepiava-me só em pensar no excesso de estrutura em que o ser humano é obrigado a viver nos dias de hoje.
Um taylorismo socialmente aceite. Até os velhos contra-mestres e os agentes de tempos e métodos estão a voltar a aparecer, nestes tempos em formatos de softwares de controlo de atendimentos (quem atendeu, porquê, como, quanto tempo, etc…)…
Ao viver assim, as pessoas encontram formas de coping com este tipo de força estruturada, têm excessivas preocupações com o seu aspecto, as roupas e marcas que vestem, a cor da bolinha do brinco ser igual ao rebordo da calça, outras com excessiva televisão (em parte o meu caso também), excessivas revistas cor-de-rosa, afastamento da vida cultural e social do país, desvinculação face às decisões políticas, não participação activa na sociedade, não preocupação com o ser humano, com a filosofia e com o estado das coisas, e antes um conformismo assustador do tipo “é a vida, não podemos mudar o mundo”…
Foi há vários meses que decidi que não podia ficar ali muito tempo. Se o ser humano não pode mudar o mundo, ninguém mais pode.
Quando lá cheguei abriram-me portas, deixaram-me expandir, e em poucas semanas estava a questionar demais e fui chamada à terra. Tratava os assuntos com demasiada rapidez e com prazer e esse rapidez virou-se contra mim, pois, em pouco tempo, tudo começou a cair em mim.
Depois, dei por mim a entrar na “onda” de tentar despachar coisas para os outros, porque já não queria tanta coisa…(coisa que condenava no início)
Chegou a um ponto, que rir tornou-se difícil. Sentia os músculos da face a serem puxados para o chão. Mas isto sou eu. Continuo a dizer que talvez existam pessoas felizes com esta estrutura.
Lembro-me que na primeira semana de trabalho, o sentimento de que não pertencia ali apareceu logo, mas ignorei-o e treinei a minha mente para se adaptar.
Pessoas ficavam ofendidas com coisas que eu dizia sobre as “coisas”, por pensaram que estava a falar das “pessoas”. Cheguei a um pouco de fazer voto de silêncio, antes, durante e após o horário de trabalho. Sentia que tudo o que eu pudesse dizer estava a ser analisado, “cuscado”, compartimentado.
Parecia que muita gente à minha volta estava em busca de algo que fosse uma ofensa! Como dizem os brasileiros, pareciam que estavam “em busca de brigas”.
O Voto de silêncio fez-me bem, apesar de não o ter seguido com a disciplina yóguica que deveria.
A seguir ao voto de silêncio, comecei o voto de “não quero saber”, não quero saber quem é quem, o que é que disse, quem quer o lugar de quem, quem fez isto ou aquilo, quem foi amigo/a de quem e se zangou, etc. Fazia o meu trabalho e saía assim que podia. Não queria envolver o pouco que restava mim própria nesse novelo.
Entrava no meu carro e na minha casa e desligava tudo o que fosse réstias disso. Aí comecei a perceber que não era assim que via o trabalho. Nunca o vi assim. Sempre quis chegar a casa e ligar o PC e registar ideias novas, trabalhar as coisas de outra forma, acabar um relatório…isso não era problema, porque para mim trabalho era uma actividade, e o ser humano não consegue viver sem uma actividade, e era óptimo que essa actividade pagasse as contas.
Se um dia tiver de ter uma actividade apenas que pague as contas e onde não exerça a minha profissão, então prefiro algo simples, como montar um comércio, e não ter todas as responsabilidades em cima dos ombros, por algo que não se gosta.

Depois de horas fechada no mesmo sítio, comecei a compreender melhor a claustrofobia. Sempre que podia, ia respirar ar exterior. Sentava-me sozinha numa cantinho à beira de um lago a olhar para o céu e a perseguir uma nuvem com o olhar.
Só nesses pouco minutos por dia conseguia colocar-me num estado de ser do mundo, em vez do estado do ser de uma sala com 4 paredes. A mente abria-se e conseguia ir além das picuices que caracterizam o mundo chamado moderno.

E finalmente o universo abriu-me a porta para o mundo. No início pensei que Angola ou Espanha ou Brasil seriam iguais, mas lentamente o fascínio por África entranhou-se em mim. Como dizia Pessoa, primeiro estranha-se, depois entranha-se (apesar de nunca ter sentido isso com a coca-cola, felizmente).

África entranhou-se e despedi-me. Tive muito receios, mas mais uma vez esta organização, demonstrou um nível de excelência ao compreender a minha situação e ao permitir o desvincular sem problemas. Penso que a própria organização mais cedo ou mais tarde se aperceberia que o meu lugar não era ali, e é minha função perceber primeiro onde eu pertenço ou não pertenço.

(A ironia de tudo isto é que comecei o Mestrado com a minha teoria de que a não-pertença [o desemprego] seria pior do que a pertença fictícia [ex. recibos verdes] e que, o melhor mesmo era a pertença total [emprego total]; e hoje, olho para a minha vida e mesmo por comprovar, a minha teoria cai por terra à luz da minha experiência pessoal: era mais feliz com a liberdade dos recibos, do que com a pertença total; medos diferentes, sentimentos diferentes, mas hoje o receio que sentia de não arranjar trabalho no mês seguinte quando estava a recibos, não se parece nada com o desespero de estar em pertença total infeliz.)

Depois da desvinculação, exigências terríveis se seguiram, e foram 30 dias altamente esgotantes. Mas estava livre.

Aprendi que sei lidar melhor com a incerteza e o devir da vida e do trabalho, do que com a complexidade de uma organização burocrática, e com stress de trabalhar fechada, condicionada por todo o lado a realizar trabalhos administrativos (que outros acham que não o são).

Darei outras notícias, de Portugal ou de Angola

Arrumações

Em arrumações, encontro uma breve reflexão, perdida entre pastas, dos tempos de Lisboa. (P.S. Explicarei em breve, o porquê das arrumações)

Folheio uma revista científica a todo o custo para encontrar resposta para as viagens no tempo. Fala de buracos negros, do Stephen Hawking e outro seu amigo que lhe destruiu a teoria por causa de umas partículas quaisquer. É interessante, mas já não será no meu tempo, por certo.
Os óculos começam a escorregar do nariz enquanto mergulho o olhar naquela imagem de um suposto buraco negrão que leva as pessoas e coisas não se sabe para que lado ou para que tempo.
Enquanto isso, levanto a cabeça…Lisboa é inundada de telhados laranja, porque não há telhados de outra cor? Quem escolheu o laranja e porquê?
Putos jogam à bola no meio da rua, vestidos para o domingo, penteadinhos com brilhantina ou gel, a mãe ralha-lhes bem alto e todos os vizinhos ouvem.
Mais à frente, homens param diante de tascas em discussões empolgantes, gritam e gesticulam. Homens de chapéu com sacas plásticas na mão?

Friday, June 06, 2008

OS 30


Mais uma vez, a chegada dos 30 anos atormentam-me. (Sei que não devo ser a única, pois encontrei a foto de um bolo!)

Não é pelos 30 em especial, talvez haja outras pessoas a passar por esta fase noutra idade.
Esta é a fase da GRANDE HESITAÇÃO.

A crise está instalada no país. Queremos agarrarmo-nos ao que temos, mas isso implicou colocar todos os sonhos e desejos em stand-by.
Depois, num dia em que nos lembramos quem éramos e o que queríamos, pensamos porque não fomos/vamos à conquistas desses sonhos?


A lógica e o raciocínio extremo tolhe-nos as emoções e acabamos por voltar ao terreno seguro e infeliz.
Há dias em que procuro encontrar a felicidade nesta vida que o universo preparou para mim, mas essa felicidade dura pouco.


Aos 30, temos talvez probabilidade de ter mais 20 anos de vida com plena qualidade, com força para fazer ainda muitas coisas, com clareza mental. Ou seja só temos menos de metade do tempo.
Depois dos 50, aí sim, precisamos do terreno confortável (claro que há excepções, há pessoas com esta idade que lutam e mudam o mundo e eu admiro-as, mas acho que eu própria nessa altura já não serei capaz).

Esta é a fase da hesitação, não queremos perder quem somos/fomos, mas o mundo quase que nos obriga a mudar, a parar, a aceitar.

A aceitação, e a auto-aceitação em particular, é outro dos princípios do yoga.
Relaciona-se também com a lei do menor esforço, ou a lei do mínimo atrito, já não sei como se diz, mas é um princípio da física ou da química, porém aplica-se perfeitamente à vida.
Não devemos bulir demais com as situações (gosto da palavra bulir!), e, se queremos mudar, devemos mudar primeiro o interior, e só depois o exterior mudará como consequência.
Lembrem-se sempre daquelas vezes que estão em baixo e decidem ir às compras. Compram algo novo e usam-no com orgulho. A auto-estima parece melhorar, sentimo-nos seguros e até felizes. Mas a força da mudança exterior dura pouco.


A peça começa a ficar gasta, já não tem “ar de nova”, fica coçada, e em breve precisaremos de mais uma dose para a ressaca. Para muita gente, há também a escalada na dependência. Já não chega uma coisita comprada nos saldos, tem de ser algo da marca XPTO, e depois da Massimo Duti, Armani, etc.

Tudo o que façamos que exija um grande esforço, não é natural, defende também a filosofia yóguica.


Se demasiados obstáculos aparecem, se nos sentimos tristes e deprimidos, se estamos infelizes, se os músculos faciais simplesmente começam a desaprender o sorriso, então algo não está certo. Algo não está a fluir naturalmente.

Já alguma vez pensaram naquela pessoa, que parecia fazer tudo mal (aos olhos estereotipados da sociedade), e ficaram furiosos porque no...final tudo lhe corre bem?

Aquela pessoa que, por exemplo, abandonou os estudos, mudou de emprego imensas vezes, tomou decisões completamente estúpidas (aos olhos da sociedade...) e depois acaba por estar mais feliz que vós? E muitas vezes tem uma situação de vida melhor que a vossa?
Aquela pessoa que era despreocupada, meia ingénua, que nunca corria atrás de nada?

E vós, que correstes, lutastes, fizestéis sacrifícios, continuais no mesmo sítio ...e provavelmente não muito felizes?

Todos nós temos uma pessoa dessas nas nossas vidas. Sorrimos, achamos-lhe piada, ou até agimos de forma maternal/paternal, tentando orientá-la e encaminhá-la pois achamos que está perdida. E, no final de tudo, será que não devíamos era aprender com ela?

Uma pessoa que considero o meu mentor, meu professor da faculdade, tomou um café comigo no outro dia.

Contei-lhe as minhas inquietações (nota: há uma música penso que do José Mário Branco, chamada “inquietações” que é fabulosa!) e ele recordou outros tempos em que me apelidou de aguerrida. Na altura, achei estranho o nome, mas até me enquadrei.


Agora afirma que “eu vou a todas” e tenho de parar de ir a todas. Simplesmente ficar, esperar. Mais uma vez, o yoga também diz isso, a questão da aceitação está sempre presente. Todavia, por outro lado disse também que uma pessoa deve agarrar, se é aquilo que realmente se quer, se não se está feliz.

Eu, que não me achava nada empreendedora, dou por mim a pensar que todo este esforço e dúvidas, todo o empenho do trabalho (por conta de outrem), podia ter sido no meu trabalho, no que eu queria, no meu próprio negócio...e a esta altura talvez já tivesse algo construído que me fizesse realmente feliz.

Nesta fase dos 30, da hesitação, como ter coragem para dar o salto? Para sair da zona de conforto? Para desligar todas as influências sociais que nos dizem para ficar quietinho e aceitar que a felicidade é só um minutinho por dia?

Mudo ou não mudo? Busco aquilo que quero ou fico quietinha?

Aceita-se conselhos.

O Desfile do Ego


Há semanas aconteceu algo que julgava impossível de acontecer nos dias de hoje.
Tive de contactar uma pessoa, a quem chamarei Eng.XPTO.


Falei o que precisava com esse Eng. XPTO e tudo parecia resolvido. Ele não me tratou por Dra.xpto, eu não disse nada, claro.


Passado uns dias, o seu secretario, envia um email, afirmando que eu não devia tratar pessoas com títulos superiores por Eng., uma vez que o tal eng.xpto possuía já doutoramento e dava aulas também numa faculdade e, logo, eu deveria tratá-lo por Prof. Doutor XPTO, e não ter feito isso era uma grande falta de respeito e educação da minha parte.


Nem imagino com cara devo ter ficado. Pensava mesmo que isto eram atitudes do tempo da minha avó, em que poucos eram doutores ou engenheiros, e o título era mais importante do que tudo o resto.


Foi então que nessa semana fiquei mais atenta para o ego.
No yoga, o ego, a individualidade, é a primeira coisa que devemos perder.
Sabem aqueles dias que recebemos um enorme elogio, e parece que tudo dentro de nós sorri? Isso é o ego. E naqueles dias em que algo corre mal e somos insultados e queremos reagir e partir tudo? Isso também é o ego.
No senso comum, chamamos a alguém “grande ego” quando essa pessoa puxa de galões, acha-se o maior.


Mas esta situação ainda é mais estúpida porque ficamos sem saber se o eng xpto é um grande ego, ou se o secretario é um estúpido adorador de egos, ou se o eng. Expto é um grande ego que não se assume e usa marionetas para dourar o seu grande ego.

Passado uns dias assisti a uma perfeita cerimónia do ego. Num mundo com pessoas à fome, num país como Portugal com tantas problemáticas para resolver, e os egos lá desfilava sem contribuir em nada para um mundo melhor, só usando os seus títulos, desfilando em vestes simbólicas, como deuses num Olimpo inventado pelos homens (e talvez pelas mulheres também).

Quando é que passamos a barreira em que ser chamado por doutor ou engenheiro é mais importante do que ser chamado pelo nome próprio?
Será que ao receber esse titulo algumas pessoas sofrem um renascimento?
Renascem para o “dark sid of the force”?

Demorei dois anos a entrar para a faculdade.
Entretanto, trabalhei. Lembro-me de acontecer algo parecido com este epiosido. Corria o ano de 1996, há mais de 10 anos atrás.
Num atendimento, uma senhora com cerca de 60 anos dirigiu-se a mim. Atendi-a como sr. Fulana, e ela, em segundos de imediato me corrigiu “é Dra.fulana”.
Como uma jovem a querer entrar para a faculdade, fiquei confusa com a atitude. Alguém, culto, educado, como poderia fazer aquilo?


Logo conclui, como defesa da minha própria auto-estima, que se tratava de uma mulher que, no tempo dela, devia ser das poucas com um curso superior, e que aquilo teria então provocado o tal renascimento. Coitada.

Respeito e educação, conquistam-se. Não são adquiridos por um título qualquer. Seja esse título pai, mãe, irmã, marido, doutor ou engenheiro(a).

Hoje, possuo o título de "doutora"(licenciada). Quase o de mestre. E já frequentei o doutoramento. Não sou perfeita, por isso, peço ao universo para nunca me deixar cair nessas artimanhas do ego.

Monday, June 02, 2008

Mais uma vez...um jornal insulta psicólogos/as

Em resposta à recente crónica de Carla Hilário Quevedo, publicada no Jornal Meia Hora, hoje dia 02 de Junho de 2008, inseri um comentário no seguinte blog: http://jazza-memuito.blogs.sapo.pt, pertencente à cronista em causa (a noticia concreta tem como Headline "Astrólogos e Videntes" e está em http://jazza-memuito.blogs.sapo.pt/246668.html?view=298124#t298124.


Convido todos/as a visitarem. A polémica advém do facto da cronista denegrir a profissão de psicólogo, colocando-a no meio da polémica em volta do Prof. Bamboo...

Aproveito para deixar aqui meu comentário, para que nunca seja retirado ou esquecido.

Entristece-me ser tratada desta forma, e apelo a todos/as os/as colegas de profissão (e outros/as simpatizantes), que se manifestem. Nem que lentamente, ou ocasionalmente, não deixem de erguer as vossas vozes.

Eu sei que a nossa profissão é valorizada e querida por muitos serviços, pessoas e empresas. Eu sei que já ajudei muito a sociedade em geral, em vários sentidos. É muito mau, que me coloquem ao nível de oráculos, sem ofensa. Oráculos são oráculos. Eu estudei quase 20 anos para me tornar profissional de Psicologia.

Abraço a todos/as.

De Patricia Araujo a 02 de Junho de 2008 às 13:09
Exma. Sra.:


Muito me entristece que misture actividades de oráculo, altamente suspeitas, com actividades profissionais devidamente regulamentadas e com código deontológico (aliás, reformulado e assinado em cerimónia publica no passado 31 de Maio, com actualizações negociadas com diversas instituições europeias).

Talvez quando se referiu a psicólogos, quisesse referir os que se intitulam "parapsicólogos", ou ciências paranormais. Para ser psicólogo(a), uma pessoa tem de obter uma licenciatura, (actualmente até com Bolonha os novos/as alunos/as têm de ter o Mestrado Integrado em Psicologia.Somos profissionais, trabalhadores e emprenhados, reconhecidos pelo Ministério da Educação, pelo Ministério do Trabalho e pelo Ministério da Ciência e Ensino superior, e é muito triste que se misturem as coisas de ânimo leve.Por outro lado, dou-lhe algum benefício da dúvida, pois talvez saiba da existência de pessoas que se auto-apresentam como psicólogos e não têm qualquer habilitação para tal, e sendo assim, agradeço que faça a respectiva denúncia da situação ao SNP, mas que numa notícia pública apresente a situação claramente.

Para outros esclarecimentos, consulte a página do SNP- Sindicato Nacional dos Psicólogos.Só ficaria bem ao Meia-hora, pedir desculpa por esta miscelânea e insulto, e irei para às autoridades esse direito (direito de resposta, penso eu).Boa tarde.

Patrícia Araújo(licenciada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto)

Friday, April 11, 2008

Satya...e a minha tese de Mestrado

Satya é um dos cinco Yamas (princípios de relacionamento com o exterior) do Yoga (Ashtanga Yoga) e significa, numa primeira tradução, Verdade, porém, num refinamento e aprofundamento significa muito mais do que simplesmente dizer a verdade até porque, isso, não é nada objectivo.

Satya significa ser autêntico consigo mesmo e também com outros, mas não entrando em conflito com outro Yama: Ahimsa, a não-violência. Dizer a verdade a alguém, sem que sintamos que estamos a ser autênticos, pode ser violento.

Já lá vão uns meses que não escrevo no blog, como sempre. E, como sempre, fico furiosa comigo (Praticando uma certa Ahimsa em mim própria, confesso).

O emprego (ao contrário dos “bons” velhos tempos de trabalho sem emprego) realmente esgota-me e acresce o facto de estar a terminar o mestrado.

Depois de uma desilusão no Doutoramento, voltei à minha dissertação de licenciatura e continuo a investigar o mesmo tema no mestrado: “O impacto da não-pertença a uma organização laboral”.

Há meia-dúzia de anos, quando investiguei (ou tentei investigar) este tema, pensava que tudo estaria nos artigos, nas teses, nas notícias e, nesse tempo, a investigação foi no fundo sobre desemprego, puro e duro.

Na altura realmente não sabia a verdade, mas fui autântica com o que sentia e fazia. Pensava que o desemprego era realmente o pior que podia acontecer a uma pessoa: desprovida de sustento financeiro e de pequenos luxos da vida mas também desprovida das funções latentes do trabalho como a estruturação do tempo, o sentimento de utilidade perante a sociedade e, enfim, a tão falada realização pessoal (e, logo, profissional).

Desconhecia, no entanto, “toda a verdade”. Hoje, tento, na minha investigação contrastar o desemprego (involuntário) com as situações precárias, focalizando-me nos famosos “recibos verdes” (que já não são bem verdes). Não focarei as situações intermédias, por exemplo, os contratos a prazo ou o trabalho temporário, este ultimo digno por si só, na minha opinião, de uma investigação exclusiva.

Cheguei então à minha teoria pessoal (não académica porque não a provei empiricamente) de que, de facto, existem então diversos graus de pertença laboral: A “pertença total” (os chamados pelo senso comum “efectivos”, “da carreira”, “dos quadros”, ou seja os contratados sem termo), a “pertença parcial” (o contrato a prazo, por exemplo), a “pertença-fictícia” (os trabalhadores temporários, os “recibos verdes” nas suas varias modalidades, etc) e a “não-pertença” (ou seja o desemprego total).

Mas a pertença não se mede por contrato ou situação legal. Mede-se também, na minha teoria (não provada), pelo sentimento da pessoa, na sua lógica de envolvimento com a organização, o seu grau de inclusão, penso eu.

Por exemplo, uma pessoa integrada na organização, vulgo “efectiva”, perfeitamente pertencente àquela organização, pode na realidade não sentir qualquer pertença e, quem sabe, entrar e sair do emprego sem ver ninguém, sem falar com ninguém, sem sentir qualquer satisfação pessoal (pelo contrário sentir apenas stress laboral) e, logo, talvez não haja pertença.

Só agora, aos trinta anos, conheço todas as vertentes. Quando fiz a primeira tese pensava “desemprego é mau, emprego é bom”. Felizes os que conseguem ver a preto e branco. Há uns meses atrás pensava “desemprego muito mau, recibos verdes mau, emprego bom”, passado alguns meses... “desemprego muito mau, recibos verdes mau, contrato bom, emprego/ser efectivo muito bom”, e com certeza arranjaríamos mais cinzentos.

Claramente, não existe verdade. Um emprego das nove às cinco (que nunca foi assim, ao contrário da música da Dolly Parton, pois grande parte dos portugueses trabalha 8 horas por dia ou mais) é ladrão de personalidade, de tempo, de auto-conhecimento e talvez até de evolução e realização pessoal.

Hoje, cumprindo esse horário, sinto saudade da liberdade de ser profissional liberal. Sim... não sabia o que seria de mim no mês seguinte, mas "tinha-me" a mim própria.

Sentia que me conhecia e me reconhecia no meu trabalho, era dinâmica, divertida, cansada, satisfeita. Hoje, sinto-me esvaziada, cansada, sem tempo para nada, saindo a correr do trabalho para ver se durante uma hora de viagem ainda consigo ver uns minutos do pôr-do-sol. Quando chego a casa, abraço a tv cabo com toda a força que posso e quando chego à cama, depois de uns minutos de Yoga, só me quero deixar afundar na cama.

Nos intervalos de trabalho, ponho-me em pé ao lado de uma árvore e pasmo um pouco para o ceú, para desligar o intelecto. Dia após dia, o que eram sonhos começam a deixar de o ser e passam a ser apelidados pela nossa mente adulta (que tem a mania que tem sempre razão) de “ideias de quando se era jovem”...

Talvez fosse bom não ter consciência que os sonhos estão a ficar para trás, estamos a “crescer”, a encarar a verdade do mundo, a ser adultos e adultas como “se deve ser”.

A escrita fica aqui no mofo do blog e, no entanto, todo o dia escrevo cartas e e-mails, procurando modelos e minutas, como se a mente dominasse tudo e se esquecesse que um dia, há muito tempo, quis ser mente de escritora.

A verdade realmente não existe, e para uma pessoa desempregada talvez a verdade seja que é a pior situação do mundo, e o mesmo talvez diga um/a jovem licenciado/a a passar recibos verdes mensais, a ganhar uma miséria e com uma enorme sensação de que pertence àquela organização...

Como psicóloga, conheço muitos pais que dizem toda a verdade aos filhos, a verdade daqueles e não destes. A verdade de alguns pais é “luta pelo que queres, tira boas notas, tens de tirar excelente, vai tirar um curso para seres alguém”. Alguns deles praticam Satya, pois eles acreditam mesmo que estão a ser autênticos com eles próprios e com os filhos.

Mas, ao ouvir isto, estão a replicar as suas verdades, não deixando os filhos encontrarem a sua verdadeira Satya.

Não posso ser Satya comigo mesmo a todo o momento, ou a sociedade condenar-me-ia e, logo de seguida, eu própria faria o mesmo.

A minha verdade é que... não acho possível e natural que um ser humano trabalhe 8 horas por dia, seja numa secretária, numa linha de produção, seja onde for.

A quantidade de pessoas que trabalha hoje em dia é muito superior há que o fazia há uma década ou há uns séculos atrás. As mulheres puseram mãos à obra e as mulheres portuguesas são as que mais trabalham na europa (num emprego, em casa, etc, seja por motivos financeiros ou outros).

A sociedade centrou-se de tal forma no trabalho que agora não se consegue descentrar.

Os/as filhos/as são deixados/as com outras pessoas todo o dia e os pais não passam tempo apenas a brincar com os filhos e, quando parece que alguns até passam, se colocarmos uma lente mais atenta, estão a estimulá-los, a ajudá-los no trabalho de casa, a ajudá-los a estudar...“para serem alguém um dia”.

Esquecemo-nos todos/as que já nascemos alguém.

E, se sentimos que somos ninguém, não é pelo trabalho que vamos ser alguém.

É, sim, pelo trabalho que vamos conseguir a ilusão de ser alguém.

É essa a ilusão que nos alimenta e nos move sempre para o futuro, e que nos faz não viver o presente e não conhecer o alguém que já somos.