Saturday, September 27, 2008



Legenda: Eu, em casa, frente à piscina vazia! Lubango, Angola


Legenda: Nós, no cimo da Serra da Leba, Lubango, Angola



Legenda: Serra da Leba, Lubango, Angola

Uma Psicóloga em Angola

(Primeiro texto após chegada, dia 25/09/2008)

Sempre me disseram “Tu que és psicóloga, deves estar sempre a analisar tudo”, e eu respondia honestamente que não, que não era nada assim, que a nossa formação se fazia no sentido contrário: Primeiro aprender todos os “rótulos”, as categorias, os conceitos, as patologias e, depois, desconstruir tudo, e saber ver cada pessoa como um ser “único e irrepetível”, conseguindo desligar o radar.
Claro, prestes a ir para oito mil quilómetros de distância da nossa casinha, seja para que sentido da bússola for, inevitavelmente uma pessoa liga o radar.
Depois de oito horas de voo num Jumbo, o radar já sai meio avariado.
Chegando a Luanda, o ar quente e seco que nos entra nas narinas enferruja um pouco mais o radar! O corpo ressente-se, mas dentro de minutos, adapta-se, pelo menos para já.
Luanda é confusa para o radar europeu, um pouco obsessivo já com a organização e com uma noção muito clara e até restringida da temporalidade.
Os carros são imensos, as estradas apertadas, a pobreza económica é visível, mas também o são os carros de alta-roda. Não há muitas pressas em quase nada, excepto talvez na estrada. Todos querem chegar rápido a qualquer lado, ou talvez o que aconteça de facto é que todos querem deixar de estar na estrada rapidamente.
Assim, a psicóloga de vez em quando liga o radar para analisar algumas coisas.
Há alguns dias, no Huíla-Café, por debaixo do vidro da mesa surgia um flyer a publicitar uma discoteca, que terminava com o slogan “Venha passar uma noite agradável e feliz”. O um olhar deteve-se e o meu radar ligou-se. Esta frase não passaria em nenhum departamento de marketing português, nem qualquer empresário português a escreveria no seu flyer.
A palavra feliz e isto é comprovado empiricamente na rua pelos sorrisos.
Lembro-me de um autor da Psicologia ou talvez da psicofisiologia, Penso que se chamava Ekl (e agora não tenho net suficientemente rápida para pesquisar!), que estudou as expressões faciais de pessoas para chegar a uma teoria sobre a forma como lemos as expressões faciais uns dos outros no quotidiano. Isto e fulcral para a comunicação entre os seres humanos. Não ser capaz de ler as faces dos outros pode levar a conflitos graves.

O sorriso de Angola parece fazê-la funcionar. E não nos fará funcionar a todos?

Friday, September 05, 2008

Psicanálise dos três porquinhos


“Era uma vez ...” – começava a minha mãe a contar novamente a história dos três porquinhos.
Milhares de vezes lhe pedi, e milhares de vezes contou.
Era como se não conseguisse dormir em paz sem a sensação de certeza que uma casa de cimento é que nos protegia. Hoje que analiso, faz sentido.
Em todas as histórias havia lobos maus ou bruxas, fadas ou princesas, venenos ou feitiços. Mas nesta não havia nada disso.
Agora que me psicanaliso devidamente, gostava da história porque a solução era bastante fácil, acessível e concreta. Não era necessária uma chave mágica, uma reversão de feitiço ou determinada postura mental: a resposta era bastante básica. Tijolo em cima de tijolo, com cimento ou betão, não sei o que usavam na altura. No fundo, era uma obra da humanidade que salvava a humanidade (ou, este caso, os porcos).
Talvez devido à sua simplicidade eu gostasse da história.
Por outro lado, o lobo mau não queria um trono, um reinado ou conquistar o mundo: queria algo muito lógico, simples e básico: comida.
No entanto, hoje já nada faz muito sentido.
Inventamos casas cada vez mais sofisticadas, de cimento e betão armado, agora com alarmes e outros automatismos fabulosos.
Continuamos a fugir e a refugiarmo-nos nelas, em vez de enfrentar o lobo mau de uma vez.
Ou por outro lado, tornamo-nos no lobo mau porque comemos porcos sem a mínima piedade (se calhar por isso, sou vegetariana).
Não albergamos os nossos irmãos (porcos) quando eles precisam, quando as casas deles se mostraram demasiado fracas (veja-se todas as tragédias por todo o mundo e muitas vezes na nossa própria terra), agora, simplesmente viramos a cara não querendo ver os nossos irmãos porcos a serem trucidados por lobos maus.
Fechamo-nos então nos nossos palácios grandiosos e materialistas, hiper-protegidos de todos os lobos-maus exteriores, e começamos a fazer criação de lobos-maus interiores.
Porque o maior lobo mau que existe, existe em nós e chama-se medo.
(Voltemos ao básico, ao simples. Viver sem medo…porque o porco e o lobo eram animais e, pela ausência de córtex cerebral não podiam se compreender mutuamente e reconciliar-se. Nos podemos.)