Tuesday, October 24, 2006

Bilhete

Vou-me embora para o shopping. Não me esperes. Chego tarde. Preciso largar o nosso lar por momentos e visitar um absurdo qualquer, que não seja muito analisável e questionável, que não represente nada emocional.
È época de saldos e apetece deitar fora o estúpido do dinheiro que de qualquer forma parece sempre pouco e nos faz andar a matar neurónios para arranjar forma de fazer mais e mais.
Vou-me embora em busca das pessoas com olhar perdido nas montras e mãos pesquisadoras em busca da qualidade dos tecidos e das etiquetas.
Vou-me embora para sentir o cheiro nojento da gordura. Vou-me embora para as escadas rolantes, para ser levada e elevada, para sentir o motor aumentar a velocidade e pensar que cresço mais uns centímetros.
Vou-me embora e só volto lá para a meia-noite que é a hora que a mesquita comercial encerra, hora em que acabará em terapia breve, fútil, mas eficaz.
Vou-me embora para adorar sacos de papel com cordinhas a fazer de pegas que me dão mesmo que só compre uma coisinha pequenina. E compro várias coisinhas pequeninas para ter sacos distribuídos pelas duas mãos e me sentir no rodeo drive.
Se queres que te compre algo, manda-me uma mensagem.
Vou-me embora, qual Alice, para o país das maravilhas fúteis.

Amanhã regresso

Olhou para a minha mão e disse “Tem mãos de homem, grossas e ásperas”. Não lhe liguei e continuei a olhar para o nada e a andar em frente. A cigana arrastou o seu manto para o outro lado da rua.
Fui pelo caminho evitando olhar para as mãos e ara as linhas da vida, da cabeça, etc. As mãos servem para trabalhar e pronto. A linha da vida é uma linha-férrea lá para o meio de marco de canaveses, enferrujada e lenta, que nos faz pensar na vida, no amanhã.
Passei lá de novo no dia seguinte e lá estava ela. Não me abordou, ficou a ao lhar para mim, ao longe, como se nos fossemos defrontar num duelo ao meio-dia. Não quero saber, por mais que o meu outro eu queira. A vida são miragens suspensas, pequenos oásis com um mini lago e eu fico a boiar na vida enquanto ela passa. Mais um dia, mais um olhar e, desta vez, troco de passeio de propósito. Ela atravessa a correr e grita-me “Espere”. Dou passos mais certos, mais largos; a vida mata-me a cada vida. Agarra-me o braço e franzo as sobrancelhas com força, o esoterismo é um desejo de desocultação e eu quero tudo oculto. “Vá à sua vida”, “Não, o que quero dizer-lhe é simples. Olhe para ali, está um homem no banco que vem vê-la passar a esta hora, todos os dias Não preciso ler a sua mão para ver isso”. Não tinha sotaque de cigana nem nada que se parecesse, só se vestia como tal. Olhei-a com cara de estúpida e a seguir para o tal homem que era bem-parecido. Agradeci e andei. Não ansiei pelo amanhã porque ele está sempre lá, mesmo que não seja para mim, ele está lá, por isso não vale a pena ansiá-lo.
Noutro dia, a cigana já não estava lá. E o homem estava lá sentado, igual ao dia anterior, sentado no banco com ar relaxado e um olhar pacífico. Escondi-me, ficando à espera a olhar para as minhas mãos de homem, e vi-o ir embora depois de eu passar. Amanhã regresso mais cedo para o ver chegar.

Tuesday, October 17, 2006

Tentativa de conto infantil


Há muito tem atrás tentei incursar nos contos infantis percebendo que se trata de um campo muito dificil da escrita, o qual abandonei por completo. Um cérebro demasiado argumentativo não consegue entrar na intuição e espontaneidade infantis.
O alvitre veio do Escreva.com, um fórum fantástico de escrita criativa que completou há pouco tempo um ano de idade. Perante o estímulo da ilustração ao lado deixamos sair as ideias livremente. Nasceu, mas nas cresceu muito.
A história segue abaixo como a primeira e, provavelmente última, tentative de escrita infantil.

A Flor que voou para longe

O Miguel era um menino com 6 anos, ansioso por entrar para a escola.
A mãe do Miguel, a D.Luísa, trabalhava na pequena quinta de produtos naturais que possuíam, enquanto o marido, pai do Miguel, trabalhava numa fábrica na cidade.
O Miguel ia pouco à cidade e estava ansioso por começar a aprender e a conhecer meninos da cidade.
Até agora ficava a brincar com a vaca Flor, o porquinho Manuel, a família de gatos e todos os cães que lá vinham para brincar – ele não sabia os nomes de todos, pois eram muitos! E brincava com todos, rindo e saltando todo o dia até ao sol de pôr! Enfim, eram todos uma grande família feliz!
Finalmente, chegou o primeiro dia de escola e, logo, Miguel fez um amigo, o Marco.
Nos primeiros dias de escola, o Miguel ficou muito contente. Aprendeu algumas letras, jogos novos e músicas engraçadas! E o professor, o Sr. Josué, era muito simpático e fazia rir toda a turma.
Até que, um dia na cantina, serviram um prato chamado “bife de vaca”! Miguel ficou assustado, e pensou que tinham magoado a Flor, sua amiga de todas as brincadeiras! E começou a chorar por ela!
Depois de descobrir que as pessoas comiam as vaquinhas amigas de Flor, Miguel teve um horrível pesadelo nessa noite, no qual sonhou que as pessoas comiam as vacas!
A sua mãe reconfortou-o e explicou-lhe que na cidade era assim há muito anos.
Miguel ficou dias a pensar o que podia fazer! Como era possível que os meninos simpáticos da escola fizessem tal coisa?! Porque não comiam platinhas, feijões, arroz, sementes, enfim, as coisas da quinta que não eram capaz de brincadeiras?!
O que poderia fazer para mostrar às pessoas e aos meninos que as vacas eram boas, carinhosas e espertas?
Muitos dias depois, Miguel finalmente teve uma ideia brilhante! Levar a Flor à escola!
E lá foi ela, durante a hora do recreio, desfilar por entre os meninos com o seu sininho a dar a dar!!!
A Flor fez sensação! Dava beijinhos aos meninos e meninas da cidade, fazia “mmmuuuuuu” e eles riam-se muito!
A partir desse dia, deixou de se comer as amigas da Flor na escola. Todos queriam ir visitá-la à quinta e brincar com todos os “amiguinhos” do Miguel!

Nos dias seguintes Miguel ficou tão feliz que sonhou que as vacas ficariam livres, que mais ninguém as comeria. Depois, de tanta felicidade, tinham nascido asas à Flor e às outras vaquinhas, e foi então que, de tanta felicidade, a Flor saiu a voar pelos ceús!!!
E Miguel dormiu, finalmente, descansado.

Outubro - O mês do Nariz


Em Outubro chegam os cheiros de inverno. O Ser Humano desperdiçou e mal tratou a sua capacidade de cheirar, de absorver o mundo através do nariz, e sobre valorizou os olhos. Numa altura em que tudo "nos entra pelos olhos adentro" (e também pelos ouvidos), apneas o nariz se safa. Nem a boca escapa a todas as porcarias que lá introduzimos, sem pensar.
O nariz não, o nariz ainda é um orgão de alguma independência, só cheiramos com real vontade aquilo que queremos, e entretanto, afastamos tudo dele, porque cheirar os outros é mal visto pela sociedade, a não ser que seja para comentar o novo perfume de uma marca qualquer elitista.
Em Outubro chega o cheiro do vento, o cheiro das folhas a esvoaçar, o cheiro das árvores nuas, o cheiro da terra molhada de chuva, o cheiro da trovoada, e cheiro do aconchego da roupa no pescoço desnudo durante tantos meses de calor, o cheiro na naftalina ou de outro odor das nossas gavetas, o cheiro a suor quando o sol abre de repente num ida que pensávamos ser de frio, o cheiros dos corpos na cama enrolados e tapados com cobertores, o cheiro do aequecedor a ligar pela primeira vez, o cheiro do fumo do cigarro a sair da boca gelada, o cheiros dos cafés molhados à entrada, o cheiro da madeira a estalar nas lareiras, o cheiro do frio a arranhar as narinas durante uma inspiração profunda...
Eduquem o nariz. Tragam de volta essa inspiração.

Ócio



Mais umas semanas em casa e a preguiça invade. Depois sinto-me mal por me considerar uma preguiçosa e decido aderir à palavra ócio, é bem melhor.
Aconselho a leitura de http://www.fafisma.com.br/ocio.htm, um texto sobre o Ócio de Joseph Pieper, e passo a citar:
"Contra a absolutização da atividade. Ócio é exactamente "não-atividade". Ele é uma forma do silêncio. Ócio é exactamente aquela forma do silêncio que dispõe para ouvir algo. Somente o silencioso é capaz de ouvir. O ócio é a atitude da mera submersão receptiva na realidade; é a abertura da alma que, somente ela, recebe os grandiosos conhecimentos, tornando-se feliz, o que nós nem sequer pelo "trabalho intelectual" poderíamos alcançar".

[Nota: por falar em citar, nunca se esqueçam de citar os autores de onde tiram excertos, é mesmo falta de respeito não fazer isto!]

Mas por outro lado é mesmo preguiça: ligar o PC, ligar a net, entrar no blogger, fazer o login, clicar no blog e começar a escrever...é muito trabalho.
Não tenho nada que me sentir mal, não é? Ser capaz de gozar o ócio é uma competência que a maior parte das pessoas não possui neste sociedade centrada no trabalho. E, por ócio, não entendam, tirar um tempo para ficar em casa e arrumar umas coisas, pois isso é outra forma de trabalho. E ficar em casa a pensar no trabalho também o é.

Tenho bloqueado fortemente a minha vontade de escrever. Estou naquela fase do "não vale a pena", de que serve? Estou fortemente desiludida com o mundo em geral e nem sequer consigo escrever sobre isso. Não quero pensr que não vale a pena, mas a minha mente é mais forte do que a intuição para escrever.