Sunday, December 06, 2015

O mito da paixão em ‘idade avançada’, digamos...


Quando alguém me conta que uma relação acabou porque alguém conheceu outra pessoa, lamento dizer que, de certa forma, hoje em dia, sinto um certo alívio.

Claro que os termos utilizados pelas pessoas são muitas vezes outros, não tão educados como estes, mas é verdade é simples: nós não podemos ser outra pessoa que não a que somos. E se gostamos desta pessoa que somos (e do outro), por muito (muito!) que nos custe, deixamos a outra pessoa seguir o seu caminho. 

No final, penso eu, a pessoa vai ser feliz com outra pessoa. Parto do princípio que ponderou tudo na sua decisão e eu não posso ser a Maria quando sou a Francisca. Sou fundamental e existencialmente diferente.
Sortudos os que têm fins destes. Sortudos, dentro dos tipos de fins, claro.

O pior fim é não saber bem o porquê do fim. O pior fim é o fim pela diferença de valores, de filosofia de vida. O pior fim é ser trocado por coisas e não por pessoas. Stuff. Things. Coisas. Não interessa quais. Todas. Todas as outras coisas que não são, portanto, pessoas. Dinheiro, ambição, drogas, carros, poder, estatuto, países, empregos, casas, partilhas, heranças, etc., etc., etc.

Por mais que as pessoas digam, na sua sabedoria “Fulano, ‘empregos’ há muitos, mas alguém que partilhe uma vida contigo e te aceite como tu és, não é fácil encontrar!!! Pensa bem”, as filosofias não entram facilmente na mente das pessoas (agora basta substituir a palavra empregos por qualquer outra que não seja o nome de uma pessoa, e funcionará sempre!). 

As coisas preenchem as pessoas que não se conseguem preencher por outras pessoas ou pela vida em si. 

Por outro lado, não ajuda nada a este processo dos fins, o mito que nos foi vendido (digo “nos”, mas o leitor pode não ter este mito e se é esse o caso, parabéns!) de que apaixonarmo-nos aos 30 ou aos 40 é diferente. 
É “diferente”, diz o povo. “Já não é a mesma coisa…”, dizem as pessoas, retorcendo o canto dos lábios e acrescentando muitas vezes expressões do tipo “já é mais calmo, já não há tanta emoção…somos maduros”, mas sempre com aquele tom paternalista do Settling, do ter de assentar, “as motivações são outras, já temos outra vida, queremos outras coisas”, “já não se sente aquele fogo…”, dizem os mais velhos. 

Pois, não sei que vida é que eles viveram...

Amigos, é tudo treta. Apaixonei-me depois dos trinta, mais forte e mais rápido do que sempre, no resto da minha vida. 
Mais presente, mais profundo, mais meditativo (e tantric), mais vivido, mais consciente de todas as emoções que estava a sentir, quando já nem estava a contar muito com elas. 
Apaixonei-me. Borboletas no estômago, vontade de dar presentes, fazer surpresas, agradar o outro, fazer tudo de diferente, mudar a nossa vida para o encaixar. 
Mudar o que vemos, mudar os planos, fazer outros planos. 

Porque fazia sentido. Trocar mensagens apaixonadas e sofrer todos os dias que não se está na presença do outro. Ter saudades e tentar não ser lamechas e chato como um adolescente louco de paixão. Não sei muito bem o que é estar apaixonado na adolescência. 
Aquilo não era paixão. A língua portuguesa não tem bem palavra…aquilo era infatuation. Não podia ser paixão porque não estávamos por inteiro. Não sabíamos quem éramos, o que queríamos, o que íamos ser.

Apaixonarmo-nos aos 30 ou aos 40 é simplesmente delicioso. É estar pleno e consciente de tudo o que sentimos. É abrir o jogo todo ao outro, sem medos. Porque já não os temos.
 Temos medo de perder, claro, mas o maior medo é de não o ganhar. Não ganhar o outro. Não absorvê-lo, não respeitá-lo como ser integralmente que um ser humano de 30, 40 ou 50 já é. É respeitá-lo e ele a nós, honrando-o com a honestidade total. 

É sermos verdadeiramente nós e aceitarmos verdadeiramente o outro, com toda a sua personalidade, as suas características boas e menos boas, as que se coadunam connosco e as que não, mas mesmo assim, ficar. Abrir o jogo. 

É despirmo-nos de tudo e tentar tudo.

Ver as pessoas a partir porque são incompatíveis, porque discutem todos os dias, porque não se entendem ou porque se apaixonaram por outra pessoa, é fácil. 

Ver as pessoas partirem porque nos puseram numa balança entre coisas e nós, é…tramado (para não dizer outra coisa). 

E eu já fui posta em muitas balanças, e até acho que eu própria ajudei a colocar-me lá, o que é realmente difícil. Mas esperamos sempre que as pessoas vençam.

Depois vem a cura. O Luto. É mais fácil, de alguma forma, porque já sabemos como sofrer. Já podemos ir para dentro do nosso sofrimento e experimentá-lo, para aprender, para sentir, da forma mais alerta e de olhos abertos possível, sem querer minorá-lo!, para ultrapassar. 

Já aprendemos a reconhecer quando temos de parar para não sofrer mais. Seguir o seu caminho, ainda com a paixão cá dentro, para ser vivida solitariamente, porque entretanto as “coisas” tomaram o nosso lugar. 

De uma outra perspectiva, também dói mais. Tudo bem, já não ficamos tanto tempo inocentemente na balança, mas dói muito. Dói tão intensamente como o nível de paixão vivida (e não consoante o tempo de duração da relação, ou da idade que temos, como às vezes nos tentam convencer).

E quando nestas balanças, ainda há quem tente. Ainda há quem espere pacientemente ou lute incessantemente para tomar o seu lugar na balança. Mas, na minha opinião, não vale a pena. 

Existe um tempo em que podemos passar nós a pesar mais e, portanto, naturalmente as “coisas” saem da balança. 
Mas quando a coisa está naquele lugar e mesmo que aquele lugar passe a ser nosso, mesmo que o conquistemos, seremos sempre substitutos, os segundos, os que vieram tirar ao outro o direito a “coisa” que o outro tanto desejava. 

Seremos sempre os maus. Nunca seremos suficientes. E não pode ser. Porque a única forma é ser a própria pessoa, a trilhar o seu próprio caminho e a colocar  o que achar melhor na sua balança, até perceber que as pessoas não podem ser colocadas em balanças em troca de coisas! 
Não podemos ser nós a conquistar esse lugar. Tem de ser o outro a tirar as coisas da balança porque quer. Tem sempre de ser uma escolha consciente do outro. Nunca pode ser um golpe de estado. 

Mais tarde, viremos a saber (talvez!) que o outro conseguiu tirar a “coisa” do lugar e pôr lá outra pessoa. Podemos ficar tristes porque não fomos nós ou podemos optar por ficar profundamente felizes, porque o outro conseguiu pôr um ser humano no lugar da coisa.

Por isso, apaixonem-se sempre. Em qualquer idade. Se estiverem numa relação e perderem a pessoa para outra pessoa, regozijem-se com a ideia que o outro - que nós amamos tanto- será feliz com um outro ser humano. 

Nós também encontraremos o nosso caminho. Mas nunca se deixem ser colocados num prato da balança, numa guerra impossível de ganhar com outra “coisa”: é uma luta perdida à partida.