Tuesday, November 09, 2010

Um tanque de lavar roupa...


Recentemente, mudei de casa. Essencialmente por motivos financeiros, já que o arrendamento em Benguela (e penso que em Angola em geral) é um mercado caro, complexo e um pouco anárquico).

Desde que cheguei que lavo a minha roupa. Não tenho tido s sorte de me encontrar com esse fabuloso electrodoméstico chamado máquina de lavar roupa.

Nesta nova casa, encontrei um tanque. Um tanque de pedra, com as suas rugosidades para esfregar roupa. Isso levou-me de volta à minha infância. Às primeiras aprendizagens de como lavar roupa. Claro que, como psicóloga e como escritora, reflicto que essa educação foi gravemente imbuída de estereótipos, dos quais me esforço por sair hoje em dia. Mas é o que eu tenho. A memória do calor a apertar, e de ficar parcialmente contente pela minha tarefa envolver agua. A minha cuidadora, ama e amiga Rosa a ensinar-me como esfregar a roupa, para cima e para baixo, no tanque, até fazer espuma, e espalhar o sabão por toda a roupa. Os cuidados a ter porque a pedra do tanque é dura e arranha alguma roupa.

Hoje, como professora de yoga a lavar a roupa no tanque, vejo a meditação em movimento claramente. Através daquele movimento repetitivo o cérebro encontra uma fuga, uma estereotipia que descarrega a ansiedade. Simbolicamente, lavar algo externo pode projectar a lavagem de algo interno, freudianamente, a sensação de se estar a purificar por dentro enquanto purificamos algo por fora.

O torcer da roupa à mão, à força, também me levou em flashbacks. No início, quem chega a Angola, vindo das “Europas” e outras civilizações tecnológicas fica choque, por vezes até triste, com estes actos. Mas é preciso pôr a mão na massa para sentir as coisas de outra forma. Acreditam que já ouvi pessoas com um ar preocupado e a modos que escandalizado que dizem “tu lavas a tua própria roupa?”

A Baía Azul e a minha Escrita...


Tinha eu 10 anos quando escrevi o meu primeiro poema. Mostrei-o a várias pessoas, que disseram “muito bem!”. Já nem me lembro a quem mostrei ou sobre o que é que tratava o poema.

O mal foi ter mostrado ao meu professor de língua portuguesa na escola. E pior ainda foi ele ter gostado imenso e me ter elogiado. Mais tarde, um professor meu de História publicou vários poemas meus no jornal local que ele geria. A partir daí disse para mim própria que seria escritora.

Depois vivia muito tempo entre o achar que era escritora e a crença de que viria a ser. Para alguém tão racional e lógica como eu era [e talvez ainda seja], só nos podemos intitular de escritores quando somos publicados. Será? Não será? Depois cheguei à fase em que não acreditava nisso. Eu era escritora, para continuar a ser, tinha de sê-lo logo imediatamente. E tinha de senti-lo e eu sentia-o. Passei por fases de hipergrafia total.

Só mais tarde o dinheiro entrou na jogada. Tinha de comer e viver e por isso, decidi ser escolher uma profissão: ser psicóloga. Que ilusão achar que esta profissão chegaria para viver…mas pronto. Quem melhor que uma escritora para ser psicóloga e quem melhor que uma psicóloga para ser escritora. Tudo roda em torno das pessoas, verdadeiras ou fictícias. Cresci e fui sendo ambas. Fui sendo um pouco de cada.

Os escritores passam por fases de auto-desculpas. Não tenho tempo, não consigo concentrar-me, tenho outros trabalhos…e a escrita foi ficando numa pasta no meu dos “meus documentos” no computador. Sempre que compro um computador novo ou faço arrumação de ficheiros, lá crio essa pasta “Escrita”. Talvez para me convencer a mim própria que sou escritora por mais uns anos. Mais tarde, veio a escrita científica. Escrevi artigos, relatórios, a dissertação de mestrado, o início da tese de doutoramento e muitas outras reflexões que traziam à tona os pequenos prazeres de escrever algo.

Mais tarde, o blog fez renascer alguma disciplina, sempre necessária à profissão de ser escritora. E fui publicando pequenas coisas aqui e ali. Mas no fim do túnel estava o desejo do livro, concretização que há-de chegar um dia. Fui assombrada pela crise económica: já não havia espaço para mais escritores lançaram um livro. Um livro, esse fantasma que atormenta os escritores.

A seguir, veio Angola. Aqui estou. Tal como eu imaginava, paisagens paradísiacas. Vejam as imagens que coloco abaixo, e perceberão como parece fácil obter a inspiração (imagens da Baia Azul, em Outubro de 2010, em Benguela, Angola.)

E o escritor pensa “era mesmo isto que eu precisava”. Inspiração real. Paz e sossego. É agora. Este é o momento. Agora vou conseguir o “Great novel, o best-seller”. Mas depois, as palavras parecem que fogem. Que raio de cliché.

E por muito que a minha mente se tente concentrar em tudo que há de fabuloso no mundo, outra parte de mim só consegue pensar em tudo que há de estúpido e injusto. E também aí, as palavras custam a sair. Não é o famoso bloqueio de escritor, que isso nunca vivi. É uma inexplicável sensação de frustração face ao que acontece à nossa volta, é uma sensação de total impotência perante as coisas, situações e pessoas totalmente estúpidas. E começo agora, com 32 anos, a perceber perfeitamente o que é a estupidez. Devia realmente ser uma psicopatologia e estar do DSM (Dicionário de Saúde Mental, o instrumento base de qualquer psicólogo).

Os critérios de diagnóstico deviam ser: (a) incapacidade de se colocar na perspectiva dos outros; (b) situação que dura há pelo menos 6 meses; (c) falta de bom senso generalizada; (d) perturbações de controle dos impulsos; (d) necessidade constante de emitir posturas e atitudes negativas e pessimistas perante a vida; (e) distribuição de culpa por todos menos pelo próprio, (f) incapacidade de reflectir sobre os seus próprios actos; (g) desejo incontrolável de prejudicar a vida dos outros.

Assim, escolhi duas profissões bastante difíceis, a de psicóloga e a de escritora. E, no final, dissolvi-me nessas identidades, até não saber bem a minha identidade.

A maior parte do meu tempo de vida, passo-o a tentar resolver as minhas revoltas perante o mundo. A incompetência, a estupidez, as injustiça, a desigualdade, as afirmações ridículas e discriminatórias que ouço todos os dias da minha vida. E é nesses momentos que penso que não me encaixo. Que simplesmente não sou daqui. Que devo ter vindo numa encomenda errada para o planeta errado. Nem sequer adianta muito mudar de país. Tenho de aprender a lidar com a imperfeição, dos outros e minha, a cada dia que passa.

Mas sento-me no meu portátil a escrever. E a escrita flui sempre.