Friday, April 11, 2008

Satya...e a minha tese de Mestrado

Satya é um dos cinco Yamas (princípios de relacionamento com o exterior) do Yoga (Ashtanga Yoga) e significa, numa primeira tradução, Verdade, porém, num refinamento e aprofundamento significa muito mais do que simplesmente dizer a verdade até porque, isso, não é nada objectivo.

Satya significa ser autêntico consigo mesmo e também com outros, mas não entrando em conflito com outro Yama: Ahimsa, a não-violência. Dizer a verdade a alguém, sem que sintamos que estamos a ser autênticos, pode ser violento.

Já lá vão uns meses que não escrevo no blog, como sempre. E, como sempre, fico furiosa comigo (Praticando uma certa Ahimsa em mim própria, confesso).

O emprego (ao contrário dos “bons” velhos tempos de trabalho sem emprego) realmente esgota-me e acresce o facto de estar a terminar o mestrado.

Depois de uma desilusão no Doutoramento, voltei à minha dissertação de licenciatura e continuo a investigar o mesmo tema no mestrado: “O impacto da não-pertença a uma organização laboral”.

Há meia-dúzia de anos, quando investiguei (ou tentei investigar) este tema, pensava que tudo estaria nos artigos, nas teses, nas notícias e, nesse tempo, a investigação foi no fundo sobre desemprego, puro e duro.

Na altura realmente não sabia a verdade, mas fui autântica com o que sentia e fazia. Pensava que o desemprego era realmente o pior que podia acontecer a uma pessoa: desprovida de sustento financeiro e de pequenos luxos da vida mas também desprovida das funções latentes do trabalho como a estruturação do tempo, o sentimento de utilidade perante a sociedade e, enfim, a tão falada realização pessoal (e, logo, profissional).

Desconhecia, no entanto, “toda a verdade”. Hoje, tento, na minha investigação contrastar o desemprego (involuntário) com as situações precárias, focalizando-me nos famosos “recibos verdes” (que já não são bem verdes). Não focarei as situações intermédias, por exemplo, os contratos a prazo ou o trabalho temporário, este ultimo digno por si só, na minha opinião, de uma investigação exclusiva.

Cheguei então à minha teoria pessoal (não académica porque não a provei empiricamente) de que, de facto, existem então diversos graus de pertença laboral: A “pertença total” (os chamados pelo senso comum “efectivos”, “da carreira”, “dos quadros”, ou seja os contratados sem termo), a “pertença parcial” (o contrato a prazo, por exemplo), a “pertença-fictícia” (os trabalhadores temporários, os “recibos verdes” nas suas varias modalidades, etc) e a “não-pertença” (ou seja o desemprego total).

Mas a pertença não se mede por contrato ou situação legal. Mede-se também, na minha teoria (não provada), pelo sentimento da pessoa, na sua lógica de envolvimento com a organização, o seu grau de inclusão, penso eu.

Por exemplo, uma pessoa integrada na organização, vulgo “efectiva”, perfeitamente pertencente àquela organização, pode na realidade não sentir qualquer pertença e, quem sabe, entrar e sair do emprego sem ver ninguém, sem falar com ninguém, sem sentir qualquer satisfação pessoal (pelo contrário sentir apenas stress laboral) e, logo, talvez não haja pertença.

Só agora, aos trinta anos, conheço todas as vertentes. Quando fiz a primeira tese pensava “desemprego é mau, emprego é bom”. Felizes os que conseguem ver a preto e branco. Há uns meses atrás pensava “desemprego muito mau, recibos verdes mau, emprego bom”, passado alguns meses... “desemprego muito mau, recibos verdes mau, contrato bom, emprego/ser efectivo muito bom”, e com certeza arranjaríamos mais cinzentos.

Claramente, não existe verdade. Um emprego das nove às cinco (que nunca foi assim, ao contrário da música da Dolly Parton, pois grande parte dos portugueses trabalha 8 horas por dia ou mais) é ladrão de personalidade, de tempo, de auto-conhecimento e talvez até de evolução e realização pessoal.

Hoje, cumprindo esse horário, sinto saudade da liberdade de ser profissional liberal. Sim... não sabia o que seria de mim no mês seguinte, mas "tinha-me" a mim própria.

Sentia que me conhecia e me reconhecia no meu trabalho, era dinâmica, divertida, cansada, satisfeita. Hoje, sinto-me esvaziada, cansada, sem tempo para nada, saindo a correr do trabalho para ver se durante uma hora de viagem ainda consigo ver uns minutos do pôr-do-sol. Quando chego a casa, abraço a tv cabo com toda a força que posso e quando chego à cama, depois de uns minutos de Yoga, só me quero deixar afundar na cama.

Nos intervalos de trabalho, ponho-me em pé ao lado de uma árvore e pasmo um pouco para o ceú, para desligar o intelecto. Dia após dia, o que eram sonhos começam a deixar de o ser e passam a ser apelidados pela nossa mente adulta (que tem a mania que tem sempre razão) de “ideias de quando se era jovem”...

Talvez fosse bom não ter consciência que os sonhos estão a ficar para trás, estamos a “crescer”, a encarar a verdade do mundo, a ser adultos e adultas como “se deve ser”.

A escrita fica aqui no mofo do blog e, no entanto, todo o dia escrevo cartas e e-mails, procurando modelos e minutas, como se a mente dominasse tudo e se esquecesse que um dia, há muito tempo, quis ser mente de escritora.

A verdade realmente não existe, e para uma pessoa desempregada talvez a verdade seja que é a pior situação do mundo, e o mesmo talvez diga um/a jovem licenciado/a a passar recibos verdes mensais, a ganhar uma miséria e com uma enorme sensação de que pertence àquela organização...

Como psicóloga, conheço muitos pais que dizem toda a verdade aos filhos, a verdade daqueles e não destes. A verdade de alguns pais é “luta pelo que queres, tira boas notas, tens de tirar excelente, vai tirar um curso para seres alguém”. Alguns deles praticam Satya, pois eles acreditam mesmo que estão a ser autênticos com eles próprios e com os filhos.

Mas, ao ouvir isto, estão a replicar as suas verdades, não deixando os filhos encontrarem a sua verdadeira Satya.

Não posso ser Satya comigo mesmo a todo o momento, ou a sociedade condenar-me-ia e, logo de seguida, eu própria faria o mesmo.

A minha verdade é que... não acho possível e natural que um ser humano trabalhe 8 horas por dia, seja numa secretária, numa linha de produção, seja onde for.

A quantidade de pessoas que trabalha hoje em dia é muito superior há que o fazia há uma década ou há uns séculos atrás. As mulheres puseram mãos à obra e as mulheres portuguesas são as que mais trabalham na europa (num emprego, em casa, etc, seja por motivos financeiros ou outros).

A sociedade centrou-se de tal forma no trabalho que agora não se consegue descentrar.

Os/as filhos/as são deixados/as com outras pessoas todo o dia e os pais não passam tempo apenas a brincar com os filhos e, quando parece que alguns até passam, se colocarmos uma lente mais atenta, estão a estimulá-los, a ajudá-los no trabalho de casa, a ajudá-los a estudar...“para serem alguém um dia”.

Esquecemo-nos todos/as que já nascemos alguém.

E, se sentimos que somos ninguém, não é pelo trabalho que vamos ser alguém.

É, sim, pelo trabalho que vamos conseguir a ilusão de ser alguém.

É essa a ilusão que nos alimenta e nos move sempre para o futuro, e que nos faz não viver o presente e não conhecer o alguém que já somos.