Sunday, November 09, 2008

O Saiote

É domingo e chove aqui, no Lubango. Está frio e nublado. Só temos uma solução: trabalhar. Sem qualquer entretenimento, resta conversar com os colegas e agarrarmo-nos aos portáteis...

Uma ultima short-story, também escrita em Lisboa, em 2005.

O saiote

Aos cinco anos gostava de ver a minha avó arranjar-se. Puxava bruscamente pelas roupas até se encaixarem nas suas formas redondas que herdei. Havia duas peças que me fascinavam: A “combinação” e o “saiote” - com passar dos anos e modas deixou de se usar a primeira. Minha mãe era demasiado magra e a roupa deslizava pelo corpo acima ou abaixo sem roçadura, daí que gostasse mais de observar a minha avó.
O encantamento do saiote ficou guardado mas presente ao destes anos, pois trabalhando em prêt-à-porter, esta era uma peça que vendia bem, principalmente para senhoras de 6 ou 7 décadas. Infelizmente nunca usei um, mas fascinavam-me as mil rendas, as cores suaves e o nylon (que em catraia chamava seda) e a volúpia que me parecia implícita naquele acto tão feminino de vestir o saiote, “enfiá-lo”, como se dizia.
Com a faculdade, o casamento e a carreira fui esquecendo esse pormenor meu, esse fetiche, essa curiosidade.
Um dia, pediram-me que escrevesse um conto “romântico”, disseram, o “Romeu e Julieta” das short-stories e, logo, achei que era demasiado sintética e pragmática para sobrevoar esse ceús românticos, onde deambulam as almas gémeas. Tentei, mas nada. Se parecia sair algo era seco, desprovido de emoção, não eram mais que descrições de actos. Sentia a ligeira sensação de derrota no corpo cozido no vapor de Agosto. Numa janela de 2.º andar de Lisboa tentei captar a paisagem para cenário do conto. Todavia, a caneta emperrava após um par de frases. Foi então que, ao fim de décadas, pareceu-me ver o saiote de uma senhora a dar a dar e a deixar-se entrever pela racha da saia castanha escura.
Saí sem pensar. Entrei no metro e segui para o Chiado onde sabia que encontraria lojas do hoje chamado “comércio tradicional”. Não sei bem para que queria o saiote: uso pouquíssimas saias, muitas com forro e adoro calças. Os saiotes devem ter sido pensados para peças feitas na costureira que, sem forro, seriam por certo incómodas.
Finalmente, numa loja com cheiro a mofo e letras douradas, permaneço sob o olhar admiradíssimo de um vendedor na ternura dos quarenta. Deseja rosa-bebé, azul-bébé ou Branco? Porque não há branco bebé?, pensei, Sim, pode ser o branco, por favor. Ah, Tamanho M. Sentia-me emocionada como se, apesar dos meus quase trinta anos, só agora me sentisse verdadeiramente mulher. Tenho o 38, o 40 e o 42, menina...isso de L’s e M’s não é p’ros saiotes. O 38 serve. Vi-o tirar aquela maravilha de dentro da caixa comprida acinzentada com letras caligráficas; estendeu-mo no balcão de madeira –picada pelo bicho- e perguntou-me se queria experimentar. Olhei-o como se o visse com os olhos de 5 anos, a escalar o corpo curvado da mãe da minha mãe. Levo este, quanto é?, 7 euros. Vim contente como uma menina que cumpriu o recado que lhe foi pedido, sabendo que terá doces à espera.
Chegada a casa atirei tudo para a cama e tirei as calças. Ao espelho, repeti então o célebre gesto, empinando-me como uma avestruz. Relembrei as coxas à “moda antiga” –que agora as mulheres querem-se a direito – e compreendi a sensualidade do roliço cilíndrico. Vesti uma saia pela cabeça que deslizou pelo saiote e corri o fecho écler. Narcísica, olhei no fundo dos meus olhos e tirei a roupa para repetir o ritual. Em dez minutos tinha história de paixões, hotéis, traições e beijos ardentes.
Cada vez que “enfio” o saiote, a “seda” chama pela minha feminilidade, e esqueço as “derrotas” do dia-a-dia, as dietas, a celulite, as calorias, as olheiras e tudo o que nos faz sofrer neste século XXI e consigo, enfim, reviver a doce e franca sensação de ser mulher.

2 comments:

Anonymous said...

Belo texto adorei, eu tenho 35 anos e ainda uso, muito bom passar por aquela sensação de o enfiar pela cabeça e vestir o vestido por cima e nos sentir-mos frescas...adoro.
Dora Mendes

Anonymous said...

eu so homen e tenho a paixao de ver mulheres usar saiote isso poe me louco e uma mulher que use saiote consegue tudo de mim eu ponho a lua ao seus pes castingx@hotmail.ch patricia ao dora alguma de voces e solteira?