Tuesday, October 24, 2006

Bilhete

Vou-me embora para o shopping. Não me esperes. Chego tarde. Preciso largar o nosso lar por momentos e visitar um absurdo qualquer, que não seja muito analisável e questionável, que não represente nada emocional.
È época de saldos e apetece deitar fora o estúpido do dinheiro que de qualquer forma parece sempre pouco e nos faz andar a matar neurónios para arranjar forma de fazer mais e mais.
Vou-me embora em busca das pessoas com olhar perdido nas montras e mãos pesquisadoras em busca da qualidade dos tecidos e das etiquetas.
Vou-me embora para sentir o cheiro nojento da gordura. Vou-me embora para as escadas rolantes, para ser levada e elevada, para sentir o motor aumentar a velocidade e pensar que cresço mais uns centímetros.
Vou-me embora e só volto lá para a meia-noite que é a hora que a mesquita comercial encerra, hora em que acabará em terapia breve, fútil, mas eficaz.
Vou-me embora para adorar sacos de papel com cordinhas a fazer de pegas que me dão mesmo que só compre uma coisinha pequenina. E compro várias coisinhas pequeninas para ter sacos distribuídos pelas duas mãos e me sentir no rodeo drive.
Se queres que te compre algo, manda-me uma mensagem.
Vou-me embora, qual Alice, para o país das maravilhas fúteis.

4 comments:

Anonymous said...

Engraçado... pelo que escreves diria que és uma verdadeira existencialista: a relação simplicidade/complexidade nos contextos do dia-a-dia, as revoltas, as pequenas ternuras, os paradoxos interiores, os ódios latentes por entre linhas... acho que escreves bem. Dás às vivências comuns carga emocional e filosófica.
Nem que seja só para meu prazer... escreve.

Anonymous said...

Este espaço começa a ter dores de estômago da fome...alimenta-o!

Anonymous said...

Olá Patrícia, entrei por acaso no seu blog e adorei este texto fazendo um trabalho de intertextualidade com o do Manuel Bandeira.Muito bom!!

Senti-me assim diversas vezes aqui no em São Paulo é um opressão imensamente comercial para todos os lados que olhe, preciso de uma fuga sim, mas uma fuga de todo este mundo : quero ir para Pasárgada

Abraços, Roberta

Lw1Z - AkA Luiz Afonso said...

Ótimo texto.

Ir embora, qual Manuel, pra vã Pasárgada.

Iria tentar acrescentar algo, mas iria estragar o belo texto.
Parabéns.