Saturday, March 12, 2016

Páginas de nada

Lembram-se da vida simples? Eu lembro-me. Lembro-me de ser uma menininha que só queria uma coisa na vida: Escrever. Só isso. Juntar palavras, contar histórias, ilustrar mentes, descrever pensamentos, pôr no papel todas as emoções e as sensações sentidas pela alma humana. Era só isso. Na altura, já parecia tanto. E quanto mais escrevia mais difícil parecia.

E quanto mais lia, mais me achava incapaz. Já tanto estava escrito. Já tanto estava tão excelentemente bem escrito – quem era eu para chegar e começar a escrever coisas? Para quê? Garret e Pessoa acompanhavam-me e retiravam-me cada vez mais a força.

E, de repente,  quase 30 anos depois desse dia iluminado no qual o olhar do meu professor brilhou a olhar para um texto meu, dou por mim a não perceber tudo o que fiz. E fiz tudo. 
Fiz de tudo. Fiz demais. Quando na realidade, pouco fiz.

Às vezes acho que fiz tudo aquilo que era capaz de fazer, e não fui capaz de fazer o que queria fazer. Só isso.

E dou por mim sentada, um sábado à noite, a reescrever a minha vida num Currículo de 30 páginas. A reescrever a minha vida de forma a que ela se encaixe nos standards dos outros. A cada passo tenho de fazer isso. Encaixar-me nos quadrados que os outros criam para mim.

ResearchGate, Orcid, Degois, AcademiaEdu, Europass, CV e mil e uma siglas mais para designar isso: recontar constantemente a minha história aos outros. Perder tempo com os outros.


Trinta páginas de nada. Pouco fiz que realmente mudasse alguma coisa. Talvez esteja deprimida hoje. Só hoje. Gosto de pensar que toquei algumas almas mas, a grande parte das coisas que fiz estão enterradas em bibliotecas mofentas, listadas em currículos armazenados em armários, um pouco por todo o país. E em alguns países mais.


Amanhã, quando acordar, pode ser que esta sensação passe. Que tudo o que fiz valha algo de novo, aos meus olhos, que são os únicos que realmente contam.

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