Friday, March 25, 2016

O Aparigrahah nos dias de hoje…

O Aparigrahah nos dias de hoje…

Assim como a Satya (sub-tema deste blogue) é um 5 dos Yamas (comportamento éticos) do caminho do Yoga, também o é o Aparigrahah.

Apesar de todos os Yamas serem conceitos interessantes e ricos e terem sido os dos primeiros apontamentos ético-filosóficos sustentados de que há registo na humanidade (O Yoga tem 5000 mil anos!) o Aparigrahah é sem dúvida um dos que mais me fascina.

Por diversos motivos, mas principalmente porque é cada vez mais desafiante praticá-lo, à medida que praticamos o TAPAS (Profundo esforço e estudo de si próprio).

Além disso, como cientista social analisar estes construtos ancestrais do Yoga e cruzá-los com observações quotidianas da sociedade atual é simplesmente delicioso…

Aparigrahah significa Desapego. O Não-apego. É fácil compreender a parte material do Yama: não acumular além das necessidades, não procurar o luxo, não ostentar.

O que poderá parecer difícil, com o tempo torna-se fácil, pois a riqueza e leveza de espírito vem ao de cima muito rapidamente quando nos desapegamos das coisas. STUFF.

Quando deixamos de desejar coisas pelo simples facto de as termos. Quando passamos a suprir necessidades em vez de concretizar desejos. Quando analisamos o porquê daquele desejo: vem de mim, ou vem de fora?

Muita coisa deixa de fazer sentido: novos modelos de “coisas”, novas marcas ou novas cores de coisas. As coisas são as mesmas. Nós é que procuramos variantes consoante o estado atual da nossa mente, o nosso humor, as influências.

Curiosamente, de muitas formas, deixamos que façam de nós, vitimas. Os Fashionistas, expressão recente, designa as pessoas que se deixam vitimizar pela moda.

Ademais, a manipulação de massas realizada pelo marketing desde os anos 60 do século XX, conquistam agora o seu auge máximo: gerar necessidades novas a cada dia.
Algo caro parece ser sinónimo de algo bom. TER muito parece ser sinónimo de ser bem sucedido. Usar GRIFFES é sinónimo de ser cool.

O Aparigrahah significa deixar de apegar-se às coisas. Mas vai muito mais além disso.
Quando se fala de desapegar-se de pessoas, a situação parece tornar-se estranha.

Para todos nós, seres humanos, desapegar-se de alguém tornou-se difícil.

Nem parece que durante milhares de anos fomos nómadas. Deixávamos um local, uma “casa” que construímos para uma temporada, uma vila, sem hesitar. ADAPTAR-SE era obrigatório para a sobrevivência.

A sociedade parece transparecer ou influenciar-nos a forma a que pensemos que deixar alguém seguir o seu caminho é algo mau. “Não lutamos pela pessoa”. “Não demos o nosso melhor”. “Não fizemos pressão suficiente para que as coisas funcionassem”. “Não quisemos saber da pessoa”. “Desistimos facilmente”.

São todas expressões comuns nos dias de hoje.

Ao falar de desapego a pessoas, obviamente, falamos também de desapego de emoções. Desapego do passado. Desapego da história, da nostalgia, do que algo “foi” ou significou.

Mas o Aparigrahah, o não-apego, é mais profundo. Praticar o não-apego significa deixar alguém ir, porque já não faz sentido apegar-se à pessoa, à história ou às emoções que a pessoa provocou. É difícil chegar ao momento do desapego mas quando finalmente se chega, é libertador.

Praticar o Aparigrahah significa amar alguém ou a nós próprios, deixando alguém ir. 

Desatando as amarras da vida do outro. Desatando as nossas próprias amarras que nos prendem a quem fomos em determinado momento da vida.

A vida segue para a frente. Sempre. Se nós ficamos apegados, o problema não é dos outros, a culpa não é dos outros. Apegarmo-nos é desamor a nós próprios.

Desapego é simplesmente desatar amarras. Se o rio levar, foi. Se ficar ao nosso lado, perfeito. Fica, sem apego. Fica, porque o desejo incondicionalmente. Fica, porque quer. 

Sem pressões, sem argumentos, sem persuasão ou manipulações, porque se tudo isto é necessário, já nada existe de verdadeiramente profundo. Só existe apego, no sentido quase de dependência tóxica.

Mas o último desafio do Aparigrahah occore, na minha opinião, num nível mais abstracto, psicológico e muito pessoal:  o desapego de ideias e emoções que nos dominam.
Pensamentos, ideias e emoções que fazem parte do ser humano que fomos e não do que somos. São uma réstia, são emoções provenientes de um ser antigo que fomos, algo residual.

Desapegar-se de medos construídos pelo nosso eu passado é realmente o último desafio do Aparigrahah.

Sabemos que ainda estamos apegados a medos e a uma ideia de quem fomos quando somos invadidos por projeções futuras que fazemos com base unicamente nas informações que temos do presente e do passado. O que logicamente não faz qualquer sentido! No presente não há imputs. No presente só existe o EU, verdadeiro, conectado.

Ideias, medos, pensamentos, emoções estão todos inevitavelmente ligados a pessoas. Por isso, muitas vezes praticar o Aparigrahah com as outras pessoas significa libertarmo-nos melhor desse eu residual que ainda está presente em nós e do qual também nos temos de desapegar.

Na sociedade atual, infelizmente!, quando praticamos o desapego muitas vezes as pessoas interpretam-nos como “desligados” dos outros. Pessoas que se desligam facilmente e que, por isso, são julgadas negativamente.

Ironicamente, parece que de alguma forma, quem insiste, quem pressiona, quem luta muito, quem perturba até…parece ser mais valorizado! Não é estranho?

Praticar o Aparigrahah não significa que nos desliguemos facilmente. Aliás, nada indicia que este é um processo fácil.

Mas é um processo de profundo respeito para com o outro. E de profundo respeito para com o nosso eu presente e futuro.

E, acima de tudo, de profundo amor pela vida, nossa e do outro.

O processo interno psicológico de nos desapegarmos das nossas emoções e sentimentos é duro… [Relembrando algumas as emoções humanas fundamentais cientificamente estudadas!: medo, alegria, raiva, expectativa, tristeza, aversão…]

Lamento dizer, se choca alguém. Mas é muito mais difícil praticar o Desapego, do que ficar a insistir, preso da roda da mesma coisa todos os dias. É muito mais difícil deixar ir do que pressionar, do que bater na mesma tecla.

De alguma forma, tudo se assemelha à dependência de substâncias. É muito mais difícil desapegarmo-nos da substância do que ficar lá.

Praticar o Aparigrahah , o não-apego, é permitir ao outro encontrar o seu verdadeiro caminho e permitir ao nosso eu presente abrir novos caminhos.


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