Sunday, November 04, 2007

Short-Story fresquinha "Yuppies"

Aqui ha uns dias, por volta das 01h00 da manhã, levantei-me num zás no sofá e escrevi uma short-story. Apartir de agora publicarei tudo o que é meu, original, aqui, no meu blogue.

"Yuppies"
Berraste a palavra não e saíste pela porta fora.
Depois de todas aquelas horas naquela sala cheia de fumo, só queria um banho cliché, como o dos filmes, quando o protagonista tira um tempo para pensar. A diferença é que eu não tinha de pensar, pois não tinha de tomar decisão nenhuma: tu tomaste-a por mim.
Acabavam de chegar ao fim 12 anos de casamento.
Quando nos conhecemos, na faculdade, éramos, como quase todos e todas, jovens e inconscientes, ou melhor completamente afastados do que é a vida real, graças aos nossos queridos papás e mamas que nos deram tudo e não nos explicaram que havia contas para pagar todos os meses, que se pagava por todos aqueles canais caros de televisão, que a gasolina não aparecia simplesmente no carro e que nunca nos deixaram ver o preço das coisas, que não era coisa de criança.
Apesar de eu estar no 3.º ano de gestão e tu no 2.º de economia, achávamos que íamos ser uns yuppies quaisquer a tratar de uma empresa de biliões, e nunca nos preocupamos com a nossa conta bancária, pois não sabíamos que essa também tinha estratégias de gestão.
Embarcamos na vida, os dois, sem medo. Disso não me arrependo. Pena que não haja um curso intensivo de 50h para filhos de papa que decidem ser independentes.
Apaixonei-me por ti sem me aperceber disso. Só quando estava com o Manuel, na esplanada da faculdade, cheia de casais, comecei a olhar à minha volta e todos estavam aos beijos e carinhos, e a última coisa que queria fazer com ele era estar aos beijos. Queria falar-lhe do Dow Jones e do Psi 20, queria discutir as alterações dos planos oficiais, queria saber a opinião dele acerca da gestão por competências, mas a última coisa que queria fazer-lhe era beijá-lo. Acabei com ele sem grande jeito. Afinal era a primeira vez que tinha de acabar com alguém, e por isso, terra a terra, disse-lhe “olha, desculpa, mas é melhor acabar”. Já lá vão 15 anos e apesar de não me arrepender, acho que hoje teríamos uma boa casa, uma casinha de férias no geres, talvez dois filhos e empregos modestos. Com certeza, nas noites de calor, sentar-nos-iamos no baloiço no alpendre a ver os putos brincar e a discutir as últimas da política.
Hoje penso o que seria melhor, casar com a amizade ou casar com o amor?
Em 12 anos nunca te trai fisicamente. Penso que tu também não. Simplesmente nos afastamos como pessoas, como tantos outros que preenchem as estatísticas dos divórcios em Portugal.
Namoramos 3 anos antes de casar, numa festa com muitas presenças de nome lá da terra. Os teus pais fizeram questão de convidar os famosos da terra deles também, não sei bem porquê. Naquela noite foste o meu mundo e no dia seguinte acordei, exausta da festa e quando me tocaste de manhã, arrependi-me de ter casado contigo por uns instantes. Depois passou, mas por uns momentos, sem saber bem porquê, tocaste-me de forma diferente e tive medo. Talvez porque até aquele momento nunca tinha pensado que nos pudéssemos separar e depois do casamento, na minha cabeça, isso tornara-se possível. Talvez fosse puro medo de pessoa apaixonada ou talvez um medo da palavra divórcio.
Finalmente a banheira encheu. O quente envolve-me e cicatriza as lágrimas. Todas as dores de pescoço das últimas horas se dissolvem na água. Ouço vértebras a estalar.
Montaste a tua empresa por cisma. Cismavas que um franchising era melhor do que andar anos na faculdade para depois ser economista de uma grande empresa e nunca ter nada. Em parte, tinhas razão. O teu negócio está muito bem. Com o casamento e com a casa desleixei-me da faculdade quando só faltavam 4 disciplinas para acabar. Havia sempre tanto que fazer, tanto que tratar e quando chegavas a casa cansado, a grande tarefa para mim era fazer-te feliz. Eu, que sempre lutei contra estes estereótipos do papel feminino, encaixei neles como uma luva, como se me nascesse nas entranhas essa estranha maneira de ser. Fiz tudo como uma mulherzinha perfeita, sem saber donde isso veio. Fui educada para ser a gestora de topo que não sabe bordar nem estrelar um ovo, e como que por magia, isso simplesmente surgia, no dia-a-dia da nossa bela vida como casal.
Finalmente acabei o curso e comecei a trabalhar. Apoiaste-me tanto que me apaixonei de novo por ti. No dia da notícia, esperaste-me em casa, com um jantar modesto e um cartaz, feito de várias folhas A4 coladas umas às outras que diz “Bemvinda Sra. Gestora ”. Já estávamos casados há três anos e tudo em casa começou a desmoronar. Nada aparecia feito, querias camisas e não as sabias engomar, queixavas-te de tudo e eu não sabia o que dizer, se te tentava explicar como se fazia alguma coisa, desistias a meio dizendo que nunca serias capaz de aprender. Um economista, patrão-próprio não conseguia aprender a fazer um arroz de tamboril?!
Lentamente fomos resolvendo os nossos problemas mas, para acelerar alguns passos, recorremos a profissionais: uma vez por semana uma senhora levava a roupa todo e ela aparecia engomada e ao sábado à tarde em duas horas outra senhora arrumava a casa toda.
No nosso sétimo ano de casamento, fui promovida a chefe de departamento e tivemos outra crise. De facto, já altura achei particular que muitas crises vinham a seguir a grandes celebrações, e não a celebrações quaisquer, mas a seguir a celebrações minhas. Quando te contei do meu aumento ficaste com uma expressão de estúpido e só depois sorriste e me abraçaste. Hoje percebo que naquele momento, estavas a fazer contas aos lucros do teu negócio para ver se continuavas a ganhar mais do que eu. Até hoje não sei bem se o abraço se deveu a um empate ou a uma vitória da tua parte.
Por brincadeira, comecei a dar formação e convidei-te para seres orador nalgumas sessões minhas e nunca aceitaste. Começaste a passar mais tempo no escritório e deixaste de ir ao ginásio. Chamava por ti para ver um documentário qualquer e tu, que dantes vinhas a correr, só respondias que estavas muito ocupado e que víamos noutra altura. Passei a ficar muito mais tempo sozinha enrolada no sofá.
Cada vez recebíamos menos amigos em casa, e os poucos convívios que tínhamos eram noite de família em datas especiais. Como estavas sempre ocupado passei a aceitar mais responsabilidades, mais formação e a desenvolver algumas ideias que um certo dia mostrei a um colega de trabalho, que falou delas a outra pessoa, que veio ter comigo para um almoço de trabalho.
No nosso décimo primeiro aniversário de casamento, lancei o meu livro. Lembro-me que durante o jantar num restaurante chique da foz, me perguntaste se eu estava a pensar lançar mais algum e eu não soube responder. Perguntaste aquilo de uma forma tão seca e comedida, como se tivesses receio que eu lesse na tua cara as segundas intenções da tua pergunta.
Nessa altura, já ganhava muito mais do que tu e só hoje percebo que essa era a raiz dos nossos problemas. Tínhamos opiniões opostas em relação a tudo mas isso nunca tinha sido um problema. Não casei com o amigo e fiquei sem conversas nocturnas enroladas no sofá, casei com o amor, e esse desfez-se porque o carinho e o excelente sexo, esfumaram-se em pouco tempo.
Nesta fatídica noite de 22 de Janeiro, como em muitas outras de há alguns anos atrás, falávamos de filhos. Usualmente, falávamos sobre isso com seriedade, hoje penso que se tratava de uma seriedade quase profissional, como se de uma decisão de negócios se tratasse. Elogiávamo-nos um ao outro por termos saído da casa dos papas e ter conquistado a independência que tantos desejávamos. Falávamos com algum carinho de esperar mais algum tempo para que tivéssemos as finanças estáveis e depois a conversa fugia para os brinquedos de hoje em dia, a qualidade das escolas e a criminalidade em Portugal. Passado um nada, já falávamos de uma determinada notícia do dia e o assunto dos filhos tinha sido enterrado. Nos tempos da faculdade defendias que o tempo ideal para ter filhos era quando conseguíamos ouvir todas as músicas que estava no TOP naquela semana. No dia em que houvesse duas ou mais que não suportássemos ouvir, estava na altura de ter filhos. Estávamos a ficar quotas.
Hoje, tomo o meu banho relaxado e penso como será ser divorciada, lá fora, no fundo do engate que já nem sei como anda. Berraste que não, não é este o momento ideal para ter filhos e tens razão. Não é. É o momento ideal para um outro tipo de rebento: divórcio.









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2 comments:

Anonymous said...

tenho a nítida impressão de que se houvesse mais escritores como você, Portugal leria mais, muito mais... eu, só parei no fim. Parabéns! Mas, ainda assim, achei a história um pouco deprimente. Espero que, de si, só tenha empretado a mão e o cérebro, não a experiência...

Anonymous said...

Um belo retrato sobre o fim da paixão, do amor ou lá o que isso é...
Subscrevo-o, no masculino, contudo.