Lembram-se da
vida simples? Eu lembro-me. Lembro-me de ser uma menininha que só queria uma
coisa na vida: Escrever. Só isso. Juntar palavras, contar histórias, ilustrar
mentes, descrever pensamentos, pôr no papel todas as emoções e as sensações
sentidas pela alma humana. Era só isso. Na altura, já parecia tanto. E quanto
mais escrevia mais difícil parecia.
E quanto mais
lia, mais me achava incapaz. Já tanto estava escrito. Já tanto estava tão
excelentemente bem escrito – quem era eu para chegar e começar a escrever
coisas? Para quê? Garret e Pessoa acompanhavam-me e retiravam-me cada vez mais
a força.
E, de
repente, quase 30 anos depois desse dia
iluminado no qual o olhar do meu professor brilhou a olhar para um texto meu,
dou por mim a não perceber tudo o que fiz. E fiz tudo.
Fiz de tudo. Fiz demais.
Quando na realidade, pouco fiz.
Às vezes acho que
fiz tudo aquilo que era capaz de fazer, e não fui capaz de fazer o que queria
fazer. Só isso.
E dou por mim
sentada, um sábado à noite, a reescrever a minha vida num Currículo de 30
páginas. A reescrever a minha vida de forma a que ela se encaixe nos standards
dos outros. A cada passo tenho de fazer isso. Encaixar-me nos quadrados que os
outros criam para mim.
ResearchGate,
Orcid, Degois, AcademiaEdu, Europass, CV e mil e uma siglas mais para designar
isso: recontar constantemente a minha história aos outros. Perder tempo com os
outros.
Trinta páginas de
nada. Pouco fiz que realmente mudasse alguma coisa. Talvez esteja deprimida
hoje. Só hoje. Gosto de pensar que toquei algumas almas mas, a grande parte das
coisas que fiz estão enterradas em bibliotecas mofentas, listadas em currículos
armazenados em armários, um pouco por todo o país. E em alguns países mais.
Amanhã, quando
acordar, pode ser que esta sensação passe. Que tudo o que fiz valha algo de
novo, aos meus olhos, que são os únicos que realmente contam.
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