Chegada à casa rural que escolhi para o
meu retiro de uma semana, o silêncio impera.
Um cão ladra bem lá ao fundo, alternando
apenas com os sons das badaladas da igreja, algures cá perto. Cheguei hoje. Só
sei onde estou porque o GPS me disse, de resto, não faço a mínima ideia o que
anda pelos arredores.
De caminho para cá espreitei o castelo de
Penela, na sua altitude magistral e, PENELA, nas ruas ruas íngremes. Com muita
pena não encontrei um cafezito ou uma esplanada onde me sentar e apreciar a
vista majestosa lá de cima.
Pela primeira vez, faço férias a sós. AS
atitudes das pessoas à minha volta acerca desta decisão foram muito diversas…
“UI, sozinha…que perigo!”, “Ui, uma mulher sozinha…que estranho…”, “Ai é? Vais
sozinha, fazes MUITO bem!”, “Vais sozinha? OK.”. Enfim, desde o pólo do MEDO
até ao pólo de uma certa admiração por eu ir sozinha de férias.
Eu própria cá estou a ultrapassar talvez
um dos últimos mitos/preconceitos que estava um pouco entranho, talvez da
infância, talvez da educação de outros tempos/culturas. “Uma mulher pouco ou
nada faz sozinha….”. Seria grave, mas não incorrecto, acrescentar o que muitas
pessoas (verbal ou mentalmente) acrescentam a esta frase “é melhor ir com um
homem”, ou “a mulher precisa de um homem”.
Quem me conhece sabe
perfeitamente que eu não suporto a noção de discriminação e desigualdades de
género. Arrepia-me, irrita-me, mexe-me com o mais profundo das estranhas, e já
me fez afastar-me de amizades e levantar-me de mesas e sair.
Detesto ser encaixada dentro de caixas
quadradas, limites que me colocam. A minha mente é ilimitada. O meu corpo tem
limites: as rugas instalam-se e ele já não faz sempre o que nos queremos. De
resto, colocarem-me dentro de caixas e de limites…não, obrigado.
Mas, indo para além do género e do sexo,
independentemente de eu andar para aqui dentro do meu “fato de carne” com pénis
ou vagina, sou um ser humano, e para muitas pessoas, ir a algum sítio sozinho
continua a ser problemático. E até confuso.
Continuo a questionar-me sobre isto (até
porque já escrevi textos anteriores sobre assuntos semelhantes) e a resposta é
sempre, aquele velho cliché que parece custar a interiorizar: se eu não gostar
da minha companhia, quem gostará?
No meio destes pensamentos, lembrei-me de
uma expressão muito frequente quando se conversa de relações humanas em geral e
relações amorosas em particular. Cedências.
Cedências.
Odeio a palavra cedências. E odeio o que
ela representar para quem a diz. “Ah...numa relação tem de se fazer cedências”
. Passada a revolta inicial, dura pouco, ocorre-me uma citação que li em
tempos, não sei bem de quem, que dizia que uma relação (seja de que tipo, mas
apliquemos aqui às amorosas), uma relação nunca deverá retirar nada à pessoa.
Vem simplesmente acrescentar, sem interromper, sem perturbar, vem natural e
fluidamente melhorar a vida da pessoa.
É este o meu conceito de relação. Claro
que há entendimentos, acordos, negociações (e, nas minhas tertúlias sobre estes
temas, há também quem não goste desta palavra, negociações, por achar que ela é
fria, mas a negociação conjugal é das coisas mais saborosas que já
experimentei…), mas NUNCA cedências.
Só o mero facto de eu Ceder, significa
perder algo, e perdas nunca são esquecidas. Eu posso chegar a um acordo sobre
algo, mas se eu sentir aquilo como uma perda, como uma cedência, nunca mais a
relação será a mesma.
Nas minhas relações, eu já tomei decisões
que poderiam, aos olhos dos olhos, ser cedências. Mas aos meus olhos, não
foram. Às vezes, a brincar, costumo dizer que tive problemas
amoroso-geográficos: já me mudei para 350 km e numa outra vez para 8000 km de
distância, um pouco porque a minha cara-metade (da altura), queria muito
fazê-lo. Nunca foram cedências. Foi negociado, acordo, e foram experiências
maravilhosas. Deixei-me levar pelo que a vida me oferecia.
E isso faz-me lembrar uma fantástica frase
do filósofo Agostinho da Silva que alguém me referiu recentemente e que se
calhar, já a citei em outras alturas. É algo do tipo: “não faço planos para a
vida para não estragar os planos que a vida pode ter para mim”.
Que alguém da geração anterior à minha ou
duas gerações para trás, me diga que uma relação só pode ser feliz se houver
cedências, eu até entendo. Respiro fundo e calo-me, por respeito. Que alguém
que tenha agora entre 25 a 35 anos me diga algo, fico preocupada. Num mundo
cada vez mais global (e não vamos discutir estas implicações), não faz muito
sentido o “Settling”. Saddling ?
Não consigo arranjar palavras para
traduzir isto do “Settling”. “Don´t saddle for less”. Não te acomodes com pouco?! Será a melhor
tradução? Não te deixes ficar…não te acomodes. É difícil traduzir.
E, portanto, quero tudo o que quero, e
“mai nada”. Posso ter, posso não ter, posso conseguir posso não conseguir, não
é essa a questão. A questão é que posso querer. Tenho o direito de querer
atingir tudo o que eu quiser. Tenho o direito, se não o dever, de o
visionar, de lutar por isso. Se ninguém pensasse assim, o mundo
seria ainda rural, e não existia nada do que hoje criamos.
Criar, melhorar, mudar, crescer, implica
sentir-se no direito pleno que querer, de visionar um futuro. E com isto, não
digo que faço planos para a vida, porque cada vez os faço menos. OU melhor,
cada vez os meus planos são menos materiais e estruturados, e mais orientados
por sensações e intuições. Demorei muito tempo a conseguir
afastar-me do racional excessivo que planeava tudo e, logo, gerava expectativas por tudo. Agora, regem-me as sensações. Quero sentir as sensações de amor, de
paixão, de liberdade. Sejam ou não reais para os outros ou aos olhos dos
outros. As sensações são só minhas e ninguém tem o direito de as julgar.
Por fim, numa conversa antiga com amigos,
uma pessoa comentou que determinada pessoa estava a ser usado, que não estava
feliz, que estava em X ou Y situação, que estava a ser isto e aquilo, e estava
cego, porque não via o que se estava a passar, porque estava a ser manipulado,
porque não era a pessoa que dantes era….O que outros interpretam é sempre uma
gota no oceano e não chega nem aos pés do que quem está na pele da sua vida,
sente. Como psicóloga, depois de anos de treino especifico, sabemos identificar
situações em que uma observação externa pode ser útil. Mas acima de tudo
sabemos analisar narrativas. E duas pessoas diferentes, me situações exactamente iguais, têm narrativas completamente diferentes. E isso remete para o que a
pessoa sente, como sente, que sensações experimentar. E só isso importa. Os
dois pontos de vista sobre uma mesma situação, podem ser diametralmente opostos
e determinar a nossa sensação de felicidade ou infelicidade total. Cedências…ou
…acordos. Se a narrativa é a das cedências, ela remete para perdas. Se a
narrativa é dos acordos, dos encontros, ela remete para ganhos mútuos.