O Aparigrahah nos dias de hoje…
Assim como a Satya
(sub-tema deste blogue) é um 5 dos Yamas (comportamento
éticos) do caminho do Yoga, também o é o Aparigrahah.
Apesar de todos os Yamas
serem conceitos interessantes e ricos e terem sido os dos primeiros
apontamentos ético-filosóficos sustentados de que há registo na humanidade (O
Yoga tem 5000 mil anos!) o Aparigrahah é sem
dúvida um dos que mais me fascina.
Por diversos motivos, mas principalmente porque é cada
vez mais desafiante praticá-lo, à medida que praticamos o TAPAS (Profundo
esforço e estudo de si próprio).
Além disso, como cientista social analisar estes
construtos ancestrais do Yoga e cruzá-los com observações quotidianas da
sociedade atual é simplesmente delicioso…
Aparigrahah significa Desapego. O
Não-apego. É fácil compreender a parte material do Yama: não acumular além das
necessidades, não procurar o luxo, não ostentar.
O que poderá parecer difícil, com o tempo torna-se
fácil, pois a riqueza e leveza de espírito vem ao de cima muito rapidamente
quando nos desapegamos das coisas. STUFF.
Quando deixamos de desejar coisas pelo simples facto
de as termos. Quando passamos a suprir necessidades em vez de concretizar
desejos. Quando analisamos o porquê daquele desejo: vem de mim, ou vem de fora?
Muita coisa deixa de fazer sentido: novos
modelos de “coisas”, novas marcas ou novas cores de coisas. As coisas são as
mesmas. Nós é que procuramos variantes consoante o estado atual da nossa mente,
o nosso humor, as influências.
Curiosamente, de muitas formas, deixamos que
façam de nós, vitimas. Os Fashionistas,
expressão recente, designa as pessoas que se deixam vitimizar pela moda.
Ademais, a manipulação de massas realizada
pelo marketing desde os anos 60 do século XX, conquistam agora o seu auge
máximo: gerar necessidades novas a cada dia.
Algo caro parece ser sinónimo de algo bom. TER
muito parece ser sinónimo de ser bem sucedido. Usar GRIFFES é sinónimo de ser
cool.
O Aparigrahah significa deixar de apegar-se às coisas. Mas vai muito mais além disso.
Quando se fala de
desapegar-se de pessoas, a situação parece tornar-se estranha.
Para todos nós, seres
humanos, desapegar-se de alguém tornou-se difícil.
Nem parece que durante
milhares de anos fomos nómadas. Deixávamos um local, uma “casa” que construímos
para uma temporada, uma vila, sem hesitar. ADAPTAR-SE era obrigatório para a
sobrevivência.
A sociedade parece
transparecer ou influenciar-nos a forma a que pensemos que deixar alguém seguir
o seu caminho é algo mau. “Não lutamos pela pessoa”. “Não demos o nosso
melhor”. “Não fizemos pressão suficiente para que as coisas funcionassem”. “Não
quisemos saber da pessoa”. “Desistimos facilmente”.
São todas expressões comuns
nos dias de hoje.
Ao falar de desapego a pessoas, obviamente,
falamos também de desapego de emoções. Desapego do passado. Desapego da
história, da nostalgia, do que algo “foi” ou significou.
Mas o Aparigrahah,
o não-apego, é mais
profundo. Praticar o não-apego significa deixar alguém ir, porque já não faz
sentido apegar-se à pessoa, à história ou às emoções que a pessoa provocou. É
difícil chegar ao momento do desapego mas quando finalmente se chega, é
libertador.
Praticar o Aparigrahah significa
amar alguém ou a nós próprios, deixando alguém ir.
Desatando as amarras da
vida do outro. Desatando as nossas próprias amarras que nos prendem a quem
fomos em determinado momento da vida.
A vida segue para a frente.
Sempre. Se nós ficamos apegados, o problema não é dos outros, a culpa não é dos
outros. Apegarmo-nos é desamor a nós próprios.
Desapego é simplesmente
desatar amarras. Se o rio levar, foi. Se ficar ao nosso lado, perfeito. Fica,
sem apego. Fica, porque o desejo incondicionalmente. Fica, porque quer.
Sem pressões, sem argumentos, sem persuasão ou
manipulações, porque se tudo isto é necessário, já nada existe de
verdadeiramente profundo. Só existe apego, no sentido quase de dependência
tóxica.
Mas o último desafio do Aparigrahah
occore, na minha opinião, num nível mais abstracto, psicológico e muito
pessoal: o desapego de ideias e emoções
que nos dominam.
Pensamentos, ideias e
emoções que fazem parte do ser humano que fomos e não do que somos. São uma
réstia, são emoções provenientes de um ser antigo que fomos, algo residual.
Desapegar-se de medos
construídos pelo nosso eu passado é realmente o último desafio do Aparigrahah.
Sabemos que ainda estamos
apegados a medos e a uma ideia de quem fomos quando somos invadidos por
projeções futuras que fazemos com base unicamente nas informações que temos do
presente e do passado. O que logicamente não faz qualquer sentido! No presente
não há imputs. No presente só existe o EU, verdadeiro, conectado.
Ideias, medos, pensamentos,
emoções estão todos inevitavelmente ligados a pessoas. Por isso, muitas vezes
praticar o Aparigrahah com as outras pessoas significa libertarmo-nos
melhor desse eu residual que ainda está presente em nós e do qual também nos
temos de desapegar.
Na sociedade atual,
infelizmente!, quando praticamos o desapego muitas vezes as pessoas
interpretam-nos como “desligados” dos outros. Pessoas que se desligam
facilmente e que, por isso, são julgadas negativamente.
Ironicamente, parece que de
alguma forma, quem insiste, quem pressiona, quem luta muito, quem perturba
até…parece ser mais valorizado! Não é estranho?
Praticar o Aparigrahah não
significa que nos desliguemos facilmente. Aliás, nada indicia que este é um
processo fácil.
Mas é um processo de
profundo respeito para com o outro. E de profundo respeito para com o nosso eu
presente e futuro.
E, acima de tudo, de
profundo amor pela vida, nossa e do outro.
O processo interno
psicológico de nos desapegarmos das nossas emoções e sentimentos é duro…
[Relembrando algumas as emoções humanas fundamentais cientificamente
estudadas!: medo, alegria, raiva, expectativa, tristeza, aversão…]
Lamento dizer, se choca
alguém. Mas é muito mais difícil praticar o Desapego, do que ficar a insistir,
preso da roda da mesma coisa todos os dias. É muito mais difícil deixar ir do
que pressionar, do que bater na mesma tecla.
De alguma forma, tudo se
assemelha à dependência de substâncias. É muito mais difícil desapegarmo-nos da
substância do que ficar lá.
Praticar o Aparigrahah ,
o não-apego, é permitir ao outro encontrar o seu verdadeiro caminho e
permitir ao nosso eu presente abrir novos caminhos.