Há dias em que
temos um insight. Lemos um email. Olhamos para o ceú. E sem motivo aparente
aparece aquela conclusão na mente. Imediata. Quase dura e fria. E fico com uma
expressão facial de quem apanhou um estalo da vida.
É costume ouvir
dizer “posso não saber o que quero, mas sei o que não quero”.
Todas as
filosofias nos dizem para não fazer isso. O Coaching, o Yoga, o Zen, e milhões
de outras abordagens nos dizem: não formulem na negativa.
Não continuemos a
dizer o que não queremos. Ao dizer “não” a algo, estamos, de qualquer forma, a
depositar toda a nossa energia nessa coisa que não queremos.
Formulemos
devidamente o que queremos.
Ao longo dos anos
tenho vindo a fazer isso. Sei exata e claramente o que quero (hoje, pelo menos,
amanhã não sei…).
Hoje no meio do
trânsito da VCI (Porto) vinha a pensar nisso. Naquela adrenalina do entupimento
das 18h30. Uma adrenalina produtiva e sempre elucidativa. O trânsito relaxa-me.
Olho o céu. Sinto o vento. Observo o que as pessoas fazem dentro dos seus
carritos. Penso na vida. Penso no que o meu cérebro se poe a pensar. Engraçado
este cérebro tão capaz de pensar sobre só próprio (o tema mais interessante de
todos…)
Ao formular o que
quero, sei o que não quero. E comecei a pensar nas pessoas à minha volta. Todas
elas estão a passar por tudo o que eu não quero. Mergulharam em trabalho.
Verbalizam constantemente que não têm tempo para isto ou para aquilo. Têm um
aspecto exausto. Muitas excessivamente medicadas. Queriam fazer aquilo que
gostam, mas não conseguem. Ganham dinheiro, mas nunca chega.
Quem tem um trabalho
que lhes traz realização, tem relações horríveis, tóxicas, desgastantes (mesmo
que nas redes sociais pareçam imensamente felizes).
Quem tem relações felizes, está
assoberbado de trabalho ou de stress e de outras coisas.
Então comecei a
pensar em toda a gente à minha volta e pensei: 'Podia anexar ao que eu QUERO… um
exemplo. Um modelo. Não um ídolo ou um famoso qualquer…não. Alguém real. À
minha volta. Uma pessoa. Um casal. Uma família...'
Alguém com os valores da VIDA.
Alguém que
coloque as pessoas em primeiro. Alguém que ame a vida e se reja por um código
ético quase-impecável (tudo é subjetivo, claro…).
Alguém que viva
por VIVER e não por sobreviver, ou por dinheiro, ou por trabalho, ou por prestígio
ou que viva em função de outros. Alguém que pare, pense, respire e decida o que
quer para o seu amanhã. Apartando-se de todas as influências e pressões sociais, dentro do possível. Um/a pensador/a independente.
Alguém que todos
os dias respire fundo e observe os pássaros e as árvores no trânsito mesmo que
daqui a uns minutos nos esperem momentos difíceis e cheios de ansiedade.
Alguém que saiba
que a vida é hoje. Alguém que saiba amar e ser amado, e respeite e seja
respeitado e se ria a dois todos os dias. E que saiba que uma discussão é
sempre fútil, vazia e que terminará em breve com um beijo.
Alguém que se
entregue de corpo e alma a outro e saiba perfeitamente que o resto do mundo não
interessa.
Alguém que viva
consciente que morreremos daqui a uns minutos. MINUTOS.
Alguém que saiba
o riso é a única moeda. Alguém que trabalhe por prazer absoluto. E que viva por
prazer absoluto. Alguém que dê o seu melhor, sem competir. OU que saiba
competir com carinho.
Alguém que saiba
largar o que não é preciso. PRECISO. Let go.
Alguém que saiba
que a vida NÃO é seria e, que não! o tempo não vale dinheiro, e que há tempo para
tudo, e que se trata tudo de uma breve viagem que só PODE ser divertida e cheia
de sentimentos e memórias. Alguém que perceba que as memórias são o maior
tesouro.
E não existia
ninguém. Não tenho o modelo. “Someone to look up to”. Que eu admire e queira ser igual. Claro que admiro esta ou aquela pessoa por um determinado motivo, mas quando vejo o todo, a Big Picture da vida dessa pessoa...
Voltei a pensar
e a repensar. Encontrei pessoas que admiro por isto ou por aquilo, mas que numa
ou noutra área da vida, estão retalhados, destroçados, destruídos e agarram-se
a uma coisa qualquer para se segurar.
Não existia uma. Todos aqueles em quem eu
admirava por um determinada característica, temia por eles por outras. A febre, o sucesso, o peso do trabalho, o vício da negatividade constante, o padrão
repetitivo do pensamento do passado ou, no oposto, o padrão de viver em corridas
para o futuro, a dor ficar ser preferida à dor de começar de novo, o apego excessivo ao dinheiro. Cada coisa que referi, uma
pessoa.
Sou um ser cheio
de defeitos. Sei o que não quero. E sei o que quero. Só não sei de alguém que o
tenha atingido para que eu o/a/os/as pudesse admirar. Tenho saudades de admirar
alguém. Tenho saudades de querer ser como alguém. Daquela idolatria
adolescente.
Daquelas fase de
recortar imagens de revistas ou colar posters na parede, lembram-se? (só
algumas gerações se lembrarão…). De admirar um ser humano e querer atingir algo
igual.
Um equilíbrio. O único modelo que tenho é uma ideia do meu eu no futuro
a dizer-me que é possível construir aquela realidade. Talvez tenha construído,
mentalmente, um modelo de vida utópico. Talvez…espero que não.