Com certeza, eu sou uma pessoa atípica. Com certeza devo ter
muito melhor memória do que milhões de pessoas.
Esta é uma das alturas mais belas, mais ricas de todos os
tempos e de repente, toda a gente só fala em crise.
Não sei desde quando é que todo o cidadão comum se tornou
economista de café. Há 20 ou 30 anos, ninguém dava palpites sobre a gestão
financeira ou medidas de desenvolvimento de um país. As pessoas davam ideias,
comentavam as medidas e iam às suas vidas. No momento de votar, votavam. Depois
envolviam-se na medida do possível, no quotidiano politico-economico.
Hoje em dia, todos os dias, notícias complexas sobre
economia, politica e finanças são simplificadas para o cidadão comum que, não
percebendo patavina, dá palpites. Atenção, eu também não percebo patavina, mas
ao menos não acho que percebo.
A crise é muito antigo e plenamente previsível há mais de 20
anos. A europa chegou ao seu auge. Sim, enfrentamos agora a ausência de
crescimento…mas, GENTE, é para isso que toda a gente andou a trabalhar estes
anos todos. Vão todos a correr para os países em desenvolvimento…eu também já
fui e foi uma ótima experiencia. Mas isso não é a solução para a Europa.
Quando eu era catraia ouvi muitas vezes a seguinte frase dos
mais velhos “Em tempos, comprávamos um
bocadinho de carne para dar sabor à sopa, não tínhamos dinheiro para nada, e
alterávamos a roupa dos mais velhos, costurando roupa para os maisnovos”.
Sim, definitivamente estes tempos catuais são uma desgraça!!!
Todos temos roupa e da boa, todos compram coisas todos os dias, e é uma crise
desgraçada. Em tempos muitas pessoas não tinham televisão, há menos de 40 anos!
E agora, quase ninguém tem televisão…têm plasmas, LCD, e LED…é uma tristeza.
Em tempos perdíamos contactos com amigos…e morríamos sem
nunca mais saber o que era feito deles. De veze em quando via nos olhos dos
mais velhos, a tristeza de perder um grande amigo. Nestes tempos horrorosos em
que vivemos, encontro amigos a toda a hora, na net, n o facebook e falo com
eles, e mantenho amigos anos e anos, mesmo do outro lado do planeta. É muito
triste. Como bem todos os dias, e não passo fome, compro barato, acessível e
bom.
AS doenças diminuíram e o controle de qualidade aumentou
drasticamente em 40 anos. Que chatice, este país, é uma merda. E dantes
demorávamos 7 horas para ir de férias a algum sítio, e agora excelentes
autoestradas, infelizmente pagas claro, levam-nos a todo o lado. É mesmo uma
merda de país...sem dúvida, gente!
Há menos de 30 anos, as pessoas morriam sem saber porquê.
Morriam aos 40 e aos 50 anos e so alguns tinham a sorte de passar essa
barreira. Agora, a evolução do nosso país permite-nos viver, em média, até aos
80 anos. É uma desgraça, sim senhor. Realmente, para muitos, mais valia viverem
só até aos 40 ou 50, uma vez que andam sempre a querer voltar aos velhos
tempos.
Mas é assim: nos velhos tempos, as pessoas amavam-se,
casavam, tinham filhos, formavam família, sem saber o que ia passar-se amanha.
Sem acumular dinheiro obsessivamente, sem saber da carreira, e às vezes sem
saber onde viver. Muitos dos nossos pais e avós viveram grande parte das suas
vidas em casas da família, e não compraram casa.
Eu sou uma pessoa muito atípica, mesmo. Eu acho que não há
melhores tempos do que estes. Quando eu era pequena, comecei a pedir coisas de
marca à minha mãe. Claro que economicamente, não podia, mas o argumento certo
é: qual é a necessidade dessa marca? É uma necessidade ou um desejo? Hoje em
dia, sou coach e formadora e, quer nas formações de comportamento do
consumidor, quer em consultas individuais de poupança, é das primeiras coisas
que abordo: É necessidade ou desejo?
Todos os dias, nas lojas, nas ruas, ouço pessoas a dizerem:
“Preciso mesmo do novo ipod”, “Preciso mesmo de umas calças vermelhas”,
“preciso mesmo daqueles sapatos”…PRECISO??? Vocês esqueceram o significado
dessa palavra? Vocês precisam de um fato Massimo Duti? PRECISAM de queijo marca
XPTO? Precisam de …etc.etc.???? PRECISAM?
Quando eu era pequena, fui educada assim. “Enquanto se come não se vê televisão. Antes
de saires da mesa, pedes licença e depois é que vais ver TV”. Os adultos
davam o exemplo. Hoje, toda a gente vive com a tv ligada, “Para companhia”,
dizem alguns. Não suportam o silêncio…o que me preocupa bastante.
Sadomasoquistas ou bombas de agressividade? Ouvem as
notícias para em seguida desatar a insultar alguém ou alguma coisa, já
repararam? Até no café, com a TV ligada, observo isto. As pessoas veêm TV para
descarregar em alguém as suas frustrações. É fácil.
Dantes não havia nada para fazer. Fazia-se filhos, como diz
o povo, às vezes, em tom de brincadeira. Agora, ao fim de semana, é impossível.
Todos os shoppings estão cheios. E ainda se podia pensar que não compram nada.
Mas na semana passada, estive no shopping a contar quantas pessoas saiam de
saco na mão. Só contei 21 com saco e 2 sem saco nenhum! Sim, as pessoas compram
coisas! É esta crise horrível que os manipula e os leva a comprar…mas como, se
não tem dinheiro? Não sei…
Durante muitos anos, não soube o que eram férias. A família
ia para a praia e dava umas voltas num raio de uns quilómetros e pronto. Agora,
toda a gente vai de férias, e faz créditos, etc….é o raio da crise que se
instalou.
Instalou-se nas vossas cabeças distorcidas, com ajuda da
comunicação social. O comportamento das pessoas é que está em crise.
Severamente em crise. Ninguém pratica a aceitação, o contentamento, a
celebração do que têm e do que são e do que conseguiram na vida. Querem mais e
mais, e como já tiveram talvez, um pouco mais, não aceitam menos.
Eu tenho orgulho no meu país. Tudo o que conseguimos nos últimos
30 anos é fabuloso. Paisagens, Politicas sociais, económicas, qualidade de
vida, etc. Já para não falar em temros tecnológicos e reconhecimento mundial.
Onde estão os portugueses aventureiros descobridores? Como eu li aqui há
tempos, numa piada da internet, Os portugueses que aqui estão não são
descendentes dos portugueses descobridores que se lançaram ao mundo. São
descendentes dos medrosos que cá ficaram. Mas eu tenho orgulhos dos portugueses
que todos os dias lutam, e ficam aqui, não arredam pé, e estão gratos pela sua
vida. Tenho orgulhos dos portugueses que passam por mim na rua e me
cumprimentam sem saber quem eu sou. E num BOM DIA, nasce uma sorriso de
sabedoria e luta que me ilumina o dia. E quando se pergunta “Como vai”, a
alegre resposta, “Vai-se andando, é a vidinha”.